O crime ambiental provocado pela mineradora Vale S.A. em Brumadinho revelou, entre os muitos efeitos de uma tragédia movida pela busca desmedida do lucro, a perversidade da reforma trabalhista, aprovada pela Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. A tragédia resultou no maior acidente do trabalho verificado no Brasil (está entre os maiores do mundo), e vai gerar indenizações aos trabalhadores atingidos. Só que os montantes dessas indenizações não serão iguais para todos. Segundo o artigo 223-G, § 1º, da CLT reformada, as condenações do empregador por dano moral estão limitadas a cinquenta vezes o salário do empregado. Ou seja: a “modernidade” que embala o novo sistema estabeleceu critérios de pagamento que variam conforme a condição econômica das vítimas. Significa dizer que a vida de um executivo, por exemplo, valerá mais do que a de um operário da base.
Diante da triste realidade de Brumadinho, esse dispositivo absurdo, que agride o princípio constitucional da isonomia, passou a ser contestado até mesmo por juristas conservadores. Nunca é tarde para rever posições. Convém lembrar, no entanto, que a desumanidade gritante da nova lei já vinha sendo denunciada antes mesmo da sua entrada em vigor.
Para não repetir os mesmos argumentos com palavras diferentes, segue abaixo a reprodução de trechos de um artigo publicado em 9 de novembro de 2017, com o título Retrocesso garantido. Nele, é destacado o alinhamento do então presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST) com a reforma aprovada pelo Congresso Nacional. As consequências do desastre social que o País vive agora já estavam previstas.
Um retrocesso social gigantesco marca o dia 11 de novembro de 2017 no Brasil. Essa é data da entrada em vigor da reforma trabalhista [Lei nº 13.467/2017], uma lei de autoria do chefe de Estado mais impopular do mundo [Michel Temer, então presidente do Brasil] e votada por um parlamento que não merece confiança, para ficar num campo de referência gentil.
Durante muitos meses, desde os acontecimentos políticos que levaram à deposição da presidente eleita em 2014, setores vinculados ao capital financeiro tentaram mostrar à população que as medidas propostas eram necessárias e até mesmo vantajosas para os trabalhadores. Não conseguiram, mesmo porque não há o que convença uma pessoa de que o corte dos seus direitos mais elementares lhe proporcionará dias melhores.
A reforma trabalhista resultará na precarização das relações de emprego. Isso se extrai das palavras de um dos maiores defensores das mudanças, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra da Silva Martins Filho. Para ele, a redução de direitos é uma necessidade econômica, e não um desastre social. Ou, como afirmou textualmente numa entrevista concedida ao jornal Folha de S. Paulo: “Nunca vou conseguir combater desemprego só aumentando direito”.
Essa entrevista, publicada no dia 6 de novembro, contém afirmações estarrecedoras. O chefe maior da Justiça do Trabalho, ao responder ao questionário que lhe foi entregue, não se constrangeu em agir como porta-voz do empresariado. Com base no discurso surrado da “modernidade”, enalteceu a “livre negociação” entre desiguais e a “segurança jurídica” que a reforma proporcionará aos donos do dinheiro.
O magistrado também expôs a face perversa da elite que comanda o País. Ao comentar o dispositivo da nova lei que condiciona o valor do dano moral ao salário recebido, cravou: “Não é possível dar a uma pessoa que recebia um salário mínimo o mesmo tratamento, no pagamento por dano moral, que dou para quem recebe salário de R$ 50 mil. É como se o fulano tivesse ganhado na loteria”. Para Gandra Martins, a ofensa, a exploração, os abusos, o desrespeito, tudo passa a ser relativo. Nessa equação, os ricos continuarão a ser ricos e detentores de uma proteção jurídica que a ralé não terá jamais.