Armando Nogueira, um dos maiores jornalistas que este país já teve e que revolucionou a crônica esportiva brasileira, achava que só craques deveriam entrar em campo. Pois, pegando uma carona na opinião do grande mestre, concluí que, assim como no futebol, somente poderia lidar com a administração pública quem fosse talhado para tal, tivesse intimidade com as “quatro linhas”, isto é, apenas fosse do ramo. E assim ter-se-ia evitado que ela chegasse à situação em que chegou, estruturalmente falando.
Tal qual passear simplesmente pelos gramados sem nenhuma arte ou criatividade, ocupar cargos públicos burocraticamente qualquer um passeia ou ocupa. Agora, jogar bonito, levar o time à vitória e fazer a torcida vibrar, não é tarefa para qualquer um. Só para quem tem talento, só para craque. E só para aqueles que estão no campo da luta ou já estiveram lá e têm compromissos com o país e com a administração pública, aqueles que lhe conhecem as entranhas, os problemas e, sobretudo, as necessidades e, ainda assim, nutrem sincera afeição por ela e se propõem a trabalhar com decência e seriedade, sem esperar nenhuma recompensa pessoal por isso.
É um dom natural, que vem do berço e se solidifica com a ação.
Como sintetiza o saudoso Armando, o esforçado pode vir a jogar – e administrar, acrescento eu – bem ou mal, por esforço e até mesmo capacidade, mas o craque será sempre por faculdade.
Atuar na administração pública é, sobretudo, uma questão de fé, por mais pueril e absurda que esta afirmação possa parecer. Apesar dos maus exemplos, que são rapidamente transformados em estereótipo-padrão, com a má-reputação de indolente, incompetente e privilegiado. O ataque aos servidores públicos, às vezes, parte dos próprios governantes, estes sim, no mais das vezes, tristes figuras transitórias, sem nenhum vínculo com o serviço público e sem nenhuma estima por ele. Quando muito, dele se valem para chegar ao poder e ali usufruir benefícios e ali aninhar parentes, amigos e credores de favores. E falo dos três Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.
Pessoalmente, tenho uma tese simples, embora explosiva, tantas vezes repetida: querem moralizar a administração pública? Comecem por acabar com os cargos em comissão, aqueles chamados “de confiança”, para cujo acesso dispensam-se concurso público, títulos, competência e até o comparecimento à repartição. Eles não passam, como se sabe, de uma excrescência getulista, criada para atender os apaniguados do velho caudilho, que vem crescendo e se perpetuando desde então, sem que ninguém tenha a coragem (ou interesse) de tomar uma providência saneadora.
Serviço público é coisa para profissional de carteirinha e não admite amadores. Senão, o Estado não funciona, o cidadão não tem atendimento e os tais governantes ficam falando sozinhos ou cometendo impropriedades – como tem acontecido.
Como, minha senhora? Qual o propósito dessa lengalenga toda? Talvez preencher, com algum conteúdo, este espaço que a benevolência do mestre Zé Beto me concedeu. Mas, observando a atual situação e o panorama que se descortina na administração pública (estadual, municipal e, sobretudo, federal), ela tem a sua razão de ser. Particularmente neste momento de pandemia, de autoritarismo insano, de autoridade batendo cabeça, de negociatas, falsificações, discriminação de mentiras e notícias distorcidas via internet e da milicada tomando conta do governo sem nenhuma intimidade com a administração pública.
Administração pública, salvo minúsculas exceções, é coisa para civil. Militar deve se limitar à atividade dos quartéis e funções específicas, compatíveis com a farda. Ou será que algum de nós, civis, poderia dar ordem unida na Academia Militar das Agulhas Negras?
Quer dizer: além de ausência de craques, há muito peru-de-fora em campo.