Joan Miró  |  Despertar da Constelação da Madrugada (detalhe)

 

Se o ministro Fernando Haddad está sendo sincero ao anunciar para breve uma reforma tributária, espera-se que aproveite para corrigir uma injustiça/absurdo perpetrada por Lula, em um dos seus mandatos anteriores: a cobrança da taxa previdenciária dos aposentados e das pensionistas. Foi – como eu disse aqui, na ocasião – “uma crueldade própria dos néscios e insensíveis”. Foi uma inconstitucionalidade cometida por Luiz Inácio e resolvida por emenda constitucional, logo por quem já se proclamava defensor dos carentes e oprimidos (!). Justificou-a em nome de uma tal “solidariedade” (!).

Não há razão para aposentados e pensionistas sofrerem o desconto previdenciário. Na verdade, o ato representa um confisco, um imposto sem causa, exatamente no instante da vida em que os velhinhos e velhinhas mais precisam de recursos para o tratamento de saúde. O trabalhador – da iniciativa privada ou do setor público – já contribuiu toda a sua vida ativa, formando, com isso, o fundo que lhe garantiria a aposentadoria e/ou a pensão, ao passar para a inatividade. O pagamento é a retribuição/obrigação do Estado arrecadador.

Quer dizer: o trabalhador, seja do serviço público ou da iniciativa privada, forma, durante a sua atividade profissional, um pecúlio que lhe dará direito, no futuro, à aposentadoria ou pensão. Isto é, aquilo que o trabalhador receberá, a título de aposentadoria ou pensão, é dinheiro dele, que ele pagou, entregou como contribuição, durante a vida toda, à administração pública, e que lhe deve ser revertido por força da lei na aposentadoria ou na pensão. Não há, por conseguinte, justificativa para continuar contribuindo depois de inativado.

Além do que Lula e os eminentes juristas que o assessoraram, na época, fizeram questão de esquecer que a aposentadoria e a pensão constituem atos jurídicos perfeitos e consolidam direitos adquiridos. E aí está outro desrespeito legal e outro abuso de poder por parte da autoridade pública. Se o trabalhador/servidor se aposentou ou adquiriu direito à pensão quando não era exigida a contribuição previdenciária do inativo nem da pensionista, como poderia, então, ser coagido a fazê-lo? Há no direito e na legislação maior um princípio chamado “irretroatividade da lei”, o que significa que nenhuma lei nova pode retroagir para prejudicar situação anterior, um direito já estratificado.

Aliás, a reforma tributária é promessa de campanha de todos os governos. Tem até sido meio feita por alguns. Mas sempre para continuar como está. Ou piorar. FHC fê-la (gostaram?), Lula, Temer e Bolsonaro também. E aí?

Na realidade, tem sido uma farsa, reiteradamente repetida. Para voltar ao tema inicial deste comentário, o déficit previdenciário – qualquer alma pensante, medianamente informada, sabe – não se resolve com a taxação de aposentadoria e pensões, com a ampliação do tempo de contribuição e com o aumento do índice contributivo dos trabalhadores e servidores públicos, como eu também já disse aqui neste espaço. Isso é remédio de cínicos, hipócritas e mal-intencionados.

O déficit da previdência pública – repito – resolve-se cobrando de quem deve à previdência e não paga, e gerindo-se corretamente o fundo. Isso já foi dito, anos atrás, pelo presidente do Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional. A opinião foi compartilhada pelo então coordenador-geral de grandes devedores da Procuradoria da Fazenda Nacional: “O verdadeiro ajuste fiscal é cobrar de quem deve para não onerar quem paga”. Ou de quem é considerado isento, sem sê-lo. Simples assim.

No caso dos servidores públicos, os grandes devedores são, no mais das vezes, o próprio Estado (o federal e os estaduais, que não honram a parcela que lhes cabe como empregadores e deixam, inclusive, de recolher aos cofres previdenciários os valores descontados dos barnabés). Aí dá no que tem dado.

“Então” – como já realçou o consciente e bravo amigo Mario Montanha Teixeira Filho – “o governo e os empresários, grandes condutores do progresso deste país, protagonizam um calote de enorme envergadura e nós, barnabés ou trabalhadores explorados pela iniciativa privada, é que recebemos a conta para pagar”. E acrescenta o meu querido Da Montanha: “Com um corte brutal de direitos e na supressão da expectativa de aposentadoria, que, mais do que legítima, é uma conquista civilizatória”.

É isso aí, prezado ministro Haddad. Se vamos fazer uma reforma tributária, façamo-la com seriedade, começando por corrigir as injustiças existentes.

 

P.S. – E a tabela do imposto de renda na fonte, que não é corrigida desde 2016, acumulando uma defasagem de 148,1%?