Romeu Felipe Bacellar Filho. Eis aí um cidadão digno de respeito e admiração, que reúne cultura (não apenas jurídica), competência, trabalho e caráter. Fomos colegas no velho Tribunal de Justiça do Estado; depois, fui seu aluno na militância da advocacia. Com Romeu, tenho algumas afinidades de pensamento e comportamento. Por exemplo, ambos casamos (ele com Elizabeth; eu com Cleonice, prima dele) muito jovens e fomos obrigados de ter quatro empregos cada um (além da faculdade de Direito), ao mesmo tempo, para enfrentar as despesas. Descobrimos que trabalhar não dói e, apesar do esforço, prepara-nos para vida. E enche-nos de orgulho quando a vitória acontece.
Dos campinhos de futebol da “Galícia”, no alto do Bigorrilho/Champagnat, ao serviço público, Romeu levou menos de 13 anos, quando foi admitido como tarefeiro, extranumerário do Tribunal Regional Eleitoral. Em seguida, aos 15 anos, evoluiu para office-boy, no escritório do advogado e professor José Munhoz de Mello. Dali para frente, ninguém segurou o nosso Felipe (como era então chamado na intimidade, para não ser confundido com o pai). Colégio Santa Maria, Faculdade de Direito de Curitiba, Tribunal de Justiça do Estado, Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, magistério… As mais de três décadas de Tribunal e a admiração pelo professor Manoel de Oliveira Franco Sobrinho solidificaram a caminhada de Romeu Filho pelo Direito Administrativo.
No Tribunal de Justiça, ingressou, por concurso, aos 18 anos, como Oficial Judiciário, galgando todos os degraus de uma vitoriosa jornada, que culminou com o exercício do cargo de Diretor-Secretário, o cume da carreira funcional no TJ – o mesmo ocupado, durante muito tempo, pelo seu saudoso pai.
Ao aposentar-se, Romeu pôde, enfim, dedicar-se de corpo e alma, sem os impedimentos do serviço público, à vida acadêmica, que sempre almejou. E assim consagrou-se, definitivamente, nas salas de aula, nos congressos internacionais e cruzou o Brasil (e parte das Américas) de Norte a Sul, às vezes à bordo de ônibus desengonçados sobre estradas de péssimas condições, em memoráveis conferências e palestras. Jamais recusou um convite. E foi aplaudido em todas as ocasiões.
Mestre e doutor em Direito do Estado pela UFPR (sempre com a nota máxima), lecionou na graduação e pós-graduação das três principais faculdades de Direito do Paraná, foi presidente da Associação Iberoamericana de Derecho Administrativo, da Associação de Direito Público do Mercosul, do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo e do Instituto Paranaense de Direito Administrativo, do qual é um dos fundadores. Fundou também e dirigiu o Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar, assim nomeado em homenagem a seu pai. Dirige ainda a A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional e foi conselheiro federal da OAB. Na Unibrasil, deu o nome a uma das salas de aula da Faculdade de Direito, cujo centro acadêmico tem o nome de seu pai.
No exercício da advocacia, que avalia “paradoxalmente fascinante e frustrante”, Romeu afirma que é de um tempo em que o advogado era significativamente mais valorizado, em que os juízes e os Tribunais demonstravam mais apreço pela busca da verdade material do que pelas estatísticas”. Ainda assim, foi acolhido, primeiramente, no escritório de Jaime Stivelberg e Telmo Cherem. Foi quando deslanchou na nova atividade; eram poucos, então, os profissionais na especialidade. Romeu logo assumiu a ponta e nunca mais a deixou. Da pequena sala no escritório de Jaime passou para a metade do 4º andar do Edifício José Loureiro, na Praça Zacarias, até chegar ao atual endereço, na Rua Eurípides Garcez do Nascimento, no bairro Ahú, já então tendo como sócio o multitalentoso e bravo companheiro de todos os momentos Renato Andrade.
Tudo isso e muitíssimo mais é contado, com detalhes e boa escrita, em “Memórias de um administrativista”, editado pela Fórum das Letras, com prefácio de Daniel Wunder Hachem e apresentação de Emerson Norihiko Fukushima. Nele, Romeu – como aponta o prefaciador – relata “percalços, desabafos, conquistas e aprendizados por ele experimentados ao longo de 75 anos vividos intensamente”. Mais do que isso, há na obra “algo raro nos livros jurídicos: uma síntese das principais ideias e contribuições do professor Romeu Felipe Bacellar Filho para a construção de um Direito Administrativo voltado não para o Estado, mas para o cidadão, erigido sobre as bases dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana” – realça Daniel.
A propósito das lições e conclusões expostas no livro de memórias de Romeu, peço licença para destacar um parágrafo que resume, numa única frase, o homem e o mestre de quem estamos falando. Citando Aristóteles, Romeu acha que “o único objetivo a ser perseguido pelo Estado, através de administração, é o de propiciar felicidade ao povo”.
De minha parte, ao lado de aplaudir e recomendar o belo volume, cabe-me agradecer as gentis e bondosas referências do autor ao meu nome como companheiro de sua jornada. Devo muito a ele. Pessoal e profissionalmente. É, sobretudo, uma honra tê-lo como amigo. Aliás, generoso, ele homenageia com citação todos aqueles que, de um modo ou outro, estiveram ao seu lado na sua gloriosa caminhada. A generosidade é um dos atributos dos grandes homens. E Romeu Felipe Bacellar Filho, sem dúvida, é um deles.