Pouca coisa me choca mais do que a falta de empatia. Em tempos difíceis, como o que atravessamos, é até doloroso constatar essa espécie de distanciamento. O mundo carece de empatia. É alicerce do pleno funcionamento da vida em sociedade.
A dificuldade suprema de se colocar minimamente no lugar de outra pessoa é o “retrato de Dorian Gray”, pintado neste mal do nosso século que é a “desempatia” e bestialmente retocado pelo prazer inalado da desgraça alheia.
Não precisaria mover uma unha sequer ou despender um mísero centavo em socorro dos necessitados a fim de fugir da pecha desumana. Bastaria sentir calado e tomar suas próprias decisões, relativas aos mais íntimos conflitos, pautado no senso de coletividade e ingerir, a partir de uma autoprescrição, alguma dose de compaixão.
Quando a gente se depara com tais episódios, suas causas e consequências, inerentes à existência na dimensão terrestre, é como se a maldade fosse esfregada no rosto para apunhalar e ferir a golpes certeiros a ingenuidade, a cegueira e até aquela ignorância benéficas, finalizando e demarcando uma vitória em combate sobre as centelhas de esperança. Implode o escudo protetor da beleza e escancara-se de pronto o cenário de devastação da realidade.
A falta de empatia é a maior das misérias humanas, pois dela derivam-se atitudes compatíveis com a insensibilidade, que tecem entranhadas redes de violência e de aflições. E não é exagerado pensar assim, quando lembramos da velocidade com que se espalham as negatividades mais minúsculas e inocentes que foram se acumulando. Claro que ninguém consegue abraçar o mundo, mas na medida e ao passo do alcance de suas ações, sim, pode engendrar e mover-se solidária e fraternalmente. Faz bem, revigora, motiva e cura. O contrário disso é o que nos abate! Drena energias e obstrui as evoluções.
E é exatamente entre as cercas daquelas pequenas possibilidades de transformações íntimas que a “desempatia” se adorna com bárbaros agravantes. No seio familiar, no alcance da mão amiga e no círculo da cumplicidade laboral, mora a prova dos nove. O que somos e imprimimos nas relações dentro destes limites estende-se, projeta-se, para o bem ou para o mal, aos endereços mais geograficamente distantes das relações sociais.
Vivemos sobre um mundo agonizante e doente. Não pelos efeitos da pandemia, mas fruto de uma falta de empatia aguda grave, que não enxerga, não quer ou sequer consegue perceber a necessidade do outro. Todos os dias temos dilemas superficiais ou profundos que testam nossa capacidade de se importar. O que são as negativas em torno da imunização coletiva em um contexto de pandemia senão uma pequena amostra dessa cepa de egos e de individualidades que se sobrepõe ao bem comum? Mas também são grãos de oportunidades que projetam mudanças e fortalecem a conscientização sobre a importância do papel e os impactos da ação particular na comunidade.
Cada vez que ouço todos e um a um os teimosos argumentos que as pessoas elegem para discorrer sobre suas negativas em se colocar a serviço do esforço coletivo de superação, os distanciamentos, isolamentos e os ajustes para administrar o equilíbrio emocional tornam-se mais evidentes e mais intransponíveis. Fora a sensação da impotência diante de uma realidade que a humanidade, aos poucos, desvenda e aprende a lidar. Mas, para tanto, precisamos nos vacinar com uma solução poderosa no fortalecimento do nosso organismo e da saúde da nossa sociedade: essa tal da empatia.
Thea Tavares é jornalista.