Como estão sempre a chegar novos livros – e só um dia é que me hei-de dar ao luxo de ter estantes vazias à espera de serem ocupadas –, tenho sempre de despromover uns livros velhos. O problema é que até aqui – tal como o meu avô e o meu pai – tenho seguido o modelo errado, que é o da biblioteca.

Ficam bonitos os livros até ao teto, a forrar todas as paredes, apertadinhos uns contra os outros. Mas os livros não são objetos decorativos: é preciso tirá-los e abri-los sempre que nos apetece, e poder devolvê-los com facilidade ao lugar onde estavam.

Daí que a coisa mais importante para um livro seja o acesso.

Infelizmente, são poucas as prateleiras que estejam ao nível dos olhos e das mãos. Aquelas que estão perto do chão ou do teto, que precisam de almofadas ou de escadotes, condenam ao esquecimento os livros que contêm.

Como os meus entusiasmos – e, logo, as minhas vontades de leitura e de consulta – mudam todos os semestres, tenho os meus livros todos desarrumados, empilhados em carrinhos e em cima de mesas.

Finalmente percebi: o modelo certo para quem tem muitos livros não é uma biblioteca, mas uma livraria. Numa livraria, para levar as pessoas a espreitar e comprar, os livros estão acessíveis – muitos deles em cima de mesas com a altura perfeita para a nossa atenção.

Onde estão numa livraria os livros acabados de sair, hei-de pôr os livros que atualmente me entusiasmam – alguns dos quais com muitos volumes, não interessa. Para as prateleiras mais remotas irão os meus “fundos de catálogo” – ou seja, os livros que menos probabilidade tenho de querer ir buscar.

Para organizar uma biblioteca conforme o entusiasmo, a facilidade de acesso tem de corresponder à apetência de pegar num livro. Bem sei que isto me forçará a estar sempre a classificar os meus livros conforme as oscilações levianas do meu interesse, mas é a única maneira de ter a minha biblioteca verdadeiramente à mão.

Arrumar é matar e a preguiça leva ao esquecimento.

 

Crônica publicada originalmente no Blog do Noblat.