Foto: reprodução (STJ-Jusbrasil)
Como se não bastassem todos os desafios que os brasileiros têm enfrentado nos últimos meses, tivemos um fim de semana ainda mais triste. Pelas redes sociais fomos bombardeados com imagens de fundamentalistas tentando invadir um hospital, para supostamente impedir um procedimento legal de aborto. Uma criança de 10 anos engravidou, após ser abusada pelo tio desde os 6 anos. Neste caso o procedimento é autorizado no Brasil, pois a gravidez representa risco de vida para a gestante e é resultado de um estupro. No entanto, grupos de diversas partes do brasil (com minúscula mesmo) se viram no direito de definir o futuro da vítima de acordo com os princípios de determinadas religiões.
Deixando a polêmica de fora, o momento deve ser usado para ampliar o debate sobre como evitar esse tipo de crime. Estou falando das violações sexuais. Certa vez, um professor colombiano chamado Luís Miguel Bermúdez deu uma aula sobre abuso sexual para adolescentes. Metade das meninas da classe começou a chorar: descobriram somente naquele momento que haviam sido violadas na infância. Em diversas ocasiões as crianças não sabem que aquele ato é errado, pois geralmente não têm informações adequadas sobre o assunto. E como denunciar algo que, para elas, não é um crime? Recentemente, o Governo Federal anunciou o lançamento, para breve, de um aplicativo chamado “Direitos Humanos Kids” (mais uma vez b em minúscula). Teoricamente será um espaço para crianças e adolescentes denunciarem violações. Repito: como denunciar algo que, para elas, não é um crime?
É necessário, urgente, que se volte a falar em educação sexual ou, como sabiamente o recém-criado movimento “caos.a” chama, segurança íntima. Esse é um tema de saúde pública. É com informação que crianças e adolescentes têm melhores condições de saber o que é errado e efetivamente denunciar. O tema, abordado de forma responsável, pode evitar violações como a dessa criança de 10 anos. Acreditem: o caso atual ganhou visibilidade, mas milhares estão passando por situações que envolvem abuso sexual.
A Organização das Nações Unidas (ONU) desenvolveu instruções sobre como abordar a educação sexual com esse público. Como se trata de uma ciência, é necessário que o programa tenha a participação de especialistas em saúde. A abordagem também deve incluir questões de diversidade e gênero, como forma de promoção ao respeito. Os pais precisam estar inseridos, para que o processo de conhecimento continue em casa. E, o mais importante, a educação sexual também pode estar inserida em outras disciplinas, de forma transversal, para que o tema deixe de ser um tabu e possa estar mais próximo do cotidiano dos alunos e alunas.
É evidente que o assunto ainda é controverso. Algumas escolas e pais apresentam resistência sobre o assunto e acham que abordar o tema, sobretudo com idades mais baixas, pode causar uma erotização acerca do sexo e antecipar experiências na vida do jovem. Educação sexual não é ensinar a ter relações sexuais. A diretriz sugerida pela ONU respeita cada faixa etária e fase da vida do cidadão, de forma que ele obtenha o conhecimento necessário de acordo com o crescimento. Desta forma, teremos menos crianças abusadas e menores índices de gravidez na infância e adolescência. E, quem sabe, finais de semana menos tristes.
Diogo Cavazotti Aires é jornalista, mestrando em Direitos Humanos e Direito Internacional Humanitário pela Universidad Católica da Colombia.