Henrique Carlos de Andrade Figueira: presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro promete ampliar investimento em tecnologia (foto: reprodução / Agência Brasil)

 

Em um mês, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro planeja colocar em prática o atendimento chamado de ‘balcão virtual’. Advogados e estagiários vão poder acompanhar o andamento dos processos nas varas em reuniões virtuais, por aplicativo de videoconferência, com os servidores. O projeto faz parte de um pacote de um convênio assinado com o Supremo Tribunal Federal (STF), batizado de Justiça 4.0. Investimento em tecnologia é a palavra de ordem do novo presidente da Corte, Henrique Carlos de Andrade Figueira, de 64 anos. Magistrado de carreira, com 33 anos atuando na Justiça, ele informou que houve um aumento de produtividade durante a pandemia. De 22 a 28 de fevereiro, foram 2,1 milhões de movimentações processuais, com mais de 65 mil sentenças. Em entrevista, Figueira informou que planeja o auxílio de robôs a magistrados, para acelerar a conclusão de processos, e anunciou a digitalização de 2,3 milhões de ações até o fim do ano. O acervo da Corte está em oito milhões de processos.

Confira abaixo.

 

– A pandemia mudou a relação das pessoas com o mundo e, em especial, a de trabalho. O home office, por exemplo, parece que veio para ficar. Quais investimentos em tecnologia o tribunal pretende fazer para inserir a Corte neste novo mundo?

O tribunal teve uma adaptação fantástica e muito rápida ao home office. Nós já tínhamos uma grande parcela de pessoas com capacidade para trabalhar em casa, porque havia uma estrutura montada. Os juízes, alguns gabinetes, desembargadores já tinham adotado esse sistema, com rodízio. A pandemia oficializou isso. O ritmo de trabalho não caiu, aumentou a produtividade. A pessoa, quando vem para o tribunal, gasta duas horas de condução, uma hora e meia de almoço, fora o bate-papo habitual, que faz bem. Então, a pessoa fica quatro horas e meio sem trabalho. Em casa, ela tem a flexibilidade de trabalhar a qualquer hora, o almoço em casa é mais curto, a conversa com as pessoas é menor, o tempo de transporte não existe, por isso a produtividade aumentou.

– E que mais o senhor pretende investir em tecnologia?

Fazer uma estrutura com a utilização de robôs que possam ajudar o juiz na prestação jurisdicional. Os técnicos dizem que não é Inteligência Artificial. Nós estamos com oito milhões de processos. A quantidade maior aqui é de execução fiscal, que representa 60% do nosso acervo, porque os municípios não têm estrutura para cobrar os credores. Nós temos municípios pequenos com 20 mil, 30 mil ações.

– Como o Tribunal pode ajudar os municípios a receberem seus créditos?

Talvez o maior problema que temos de congestionamento seja cobrar os créditos de condenação, porque você tem que correr atrás dos bens do devedor, que muitas vezes não têm nada. Então, temos que atacar esse ponto nevrálgico para resolver. Buscar esses bens para tornar a execução mais rápida, e o robozinho pode ajudar nisso.

– De que forma?

Primeiro, na fase de pesquisa de bens. O juiz, quando tem que fazer a pesquisa de bens, a penhora online, entra de uma em uma. O trabalho que o juiz faz em uma hora o robô faz em um segundo, é uma diferença absurda. Salvo engano, são 80 atos por segundo. Isso está em pesquisa. Recentemente, criamos o Núcleo de Inovação Tecnológica para fazer contatos com outros tribunais através do Conselho Nacional de Justiça. Vamos buscar intertransferência de tecnologia nos tribunais estaduais, federais e da Justiça do Trabalho, através do Processo Judicial Eletrônico, o PJE.

– O Tribunal assinou um convênio recentemente com a presença do presidente do Supremo, Luiz Fux, chamado Justiça 4.0. Há previsão do início de funcionamento de um balcão virtual. Como será isso?

O Justiça 4.0 está relacionado a tudo que falamos sobre inovação tecnológica. O que é isso? Buscar ferramentas que, de alguma forma, possam melhorar a prestação jurisdicional. Colocar a tecnologia à disposição do juízo e das partes para que o processo seja mais célere.

– O que o Justiça 4.0 traz de novidade para advogados e juízes?

Por exemplo, o balcão virtual. Todos os cartórios, todas as varas devem ter a possibilidade de atendimento virtual. Ao invés de o advogado ou estagiário vir aqui no balcão para ver o andamento do processo, ele pede a informação pelo Zoom (aplicativo de videoconferência). Vamos implantar em um mês.

– Dos oitos milhões de processos, quantos ainda não estão digitalizados?

Vinte e nove por cento (2,3 milhões). Eles serão digitalizados até o fim do ano. Nós precisamos disso para poder transferir todos eles para Processo Judicial Eletrônico.

– Com 33 anos de magistratura, como o senhor analisa o papel do Judiciário neste momento? Afinal tudo acaba parando na Justiça.

Nós temos vários quadros. O primeiro deles é que a nossa sociedade é aberta e democrática. As pessoas aprenderam a buscar os seus direitos. O Judiciário deu muito mais oportunidades para as pessoas. Nós criamos juizados especiais, demanda alta; levamos os fóruns mais para perto das pessoas, com os regionais. Há 40, 50 anos, a Justiça era mais centralizada. Isso com a democratização tornou o Judiciário mais necessário para a vida da população. Outro painel são as demandas nas quais infelizmente o Judiciário precisa interferir, porque os outros poderes não cumprem sua função. Saúde e transportes, por exemplo. A Constituição prevê um sistema de saúde integral, como tem que ser, e isso não é cumprido. A estrutura de saúde dos estados e municípios não é suficiente para a demanda. As pessoas trazem demandas, como internação. Com o vácuo de atuação do Executivo, o Judiciário é obrigado a ocupar para atender as pessoas. Qual o juiz que não vai dar uma liminar de internação? Se perguntar para qualquer pessoa, se não internar a pessoa vai falecer, vai ficar com alguma sequela, quem é que não vai buscar uma internação para ela, um tratamento? O problema é que o Estado não tem organização suficiente para atender a demanda que a Constituição estabelece, e aí sobra para o Judiciário ocupar esse espaço.

– Há déficit de magistrados e servidores?

Nós temos déficit de 200 magistrados. Mas vamos ter que repensar por conta da pandemia, do home office. Nós precisamos ter a estrutura que temos hoje? Essa é a grande pergunta que se impõe.

– Mas o que o senhor quer dizer com isso?

Prédios, pessoal, magistrados. Para o sistema pré-pandemia, a carência era absurda tanto de funcionários quanto de magistrados. De funcionários, chegamos a 15 mil e hoje temos por volta de 12 mil, mas não posso dizer se o déficit é de três mil. Nós realmente precisamos ocupar os 200 cargos de magistrados? Temos que fazer um estudo profundo sobre essa estrutura, pensando no futuro.

– Então, concurso será estudado?

Nós fizemos concursos. Atualmente, temos necessidade. Temos dois em andamento, um de magistrados e outro de servidores. [Mas] O CNJ no começo da pandemia baixou um ato suspendendo todos os concursos públicos. Aí fica difícil. Conversei com o ministro Fux e pedi para analisar novamente o ato. Mas, graças a Deus, a situação do Rio não é igual à dos outros estados. Em Brasília, a pandemia ganhou muita força. O CNJ está trabalhando remotamente. Está fechado. Mas a OAB fez prova, o Enem foi realizado, nós tivemos alguns eventos grandes de concurso que a gente poderia abrir. Mas logo em seguida veio o novo caos da pandemia.

– O que o senhor acha que deve ser feito para diminuir o número de ações?

A formação do profissional do direito é do litígio. A gente estuda só como se defender e atacar, como brigar. Só há 10 ou 15 anos que começou a se discutir nas faculdades de direito sobre arbitragem, mediação e conciliação como formas de resolução de conflitos que não sejam as litigiosas. Precisamos acabar com a cultura do litígio. Queremos investir demais na mediação, até mesmo de forma eletrônica. O ministro Fux defendeu isso aqui quando houve o lançamento do Justiça 4.0. Vamos daqui a pouco fazer propostas de mediação de forma eletrônica.

– O brasileiro é meio desconfiado.

Mas não tiro a razão dele. Daqui a 20 anos, vamos criar uma nova cultura. O Código de Processo Civil prevê a audiência de conciliação.

– Mas muitas pessoas não aceitam.

Sabe o que acho, quando você faz o acordo, quem está tomando a decisão? É a parte, ela vai decidir o futuro dela, se aquilo é bom ou ruim. Se você deixar isso na mão de terceiros, você pode levar tudo ou perder tudo. Ou seja, o pouco de controle de tirocínio nessa hora ajuda você a compor, a solucionar o conflito. E acabou, a partir de agora, vou tratar da minha vida, daqui pra frente. Os maiores caminhos para diminuir as ações no Judiciário são a mediação e a conciliação, sem dúvida.

– Como o Judiciário pode atuar no combate às desigualdades sociais, a segurança pública?

Nós temos vários projetos sociais e também um ponto que quero investir muito. Nós temos o ‘Jovem Mensageiro’, que atende os menores infratores com emprego, salário. Eles ajudavam aqui dentro, mas com a pandemia não há mais condição de ir adiante, mais de 15 anos, com resultados excepcionais. Temos projetos junto à ressocialização de presos. Em Petrópolis, o juiz da Infância, Alexandre Teixeira, quando o menino deixa o abrigo com 18 anos, deixou de ser menor, virou maior, ele sai e ninguém olha mais pra ele. Ele cai na rua sem pai, nem mãe perdido. Então, o projeto paga um aluguel para o garoto durante determinado período e ajuda esse menino a se colocar no mercado. Quero investir na formação de mão de obra, dar oportunidade desses garotos aprenderem um ofício. Nós temos que participar da sociedade assim. Até como forma de conseguir a redução de processos, porque quando nós conseguirmos tornar esses meninos cidadãos, ele não voltará a delinquir.

– Atualmente, tivemos decisões inéditas, como por exemplo a determinação do afastamento da deputada federal Flordelis dos Santos de Souza, do PSD-RJ, algo que precisa ser submetido ao parlamento.

É porque é um crime comum.

– Mas como manter o equilíbrio entre os Poderes, com muitas demandas envolvendo o Judiciário?

O Judiciário não é naturalmente um órgão político. É um órgão técnico, ou seja, suas decisões se baseiam sempre na prova, do exame do fato, o juiz aplica a lei. Examina o fato e vê qual é a norma que se adequa para resolver aquele conflito. Nós somos treinados a fazer isso, nossa vida é essa. Contam uma história pra gente, e nesse caso, se aplica esta norma.

– Temos visto nas redes sociais um comportamento desenfreado. Tivemos o deputado federal Daniel Silveira, do PSL, preso por atacar o Supremo. Como o senhor acha que o magistrado deve se comportar neste espaço?

Cada um sabe o limite da sua responsabilidade. Tem que saber se comportar de acordo com a sua consciência e o seu entendimento. Todos são responsáveis, a gente não tem que ficar de babá de quem quer que seja. E quando falo isso não é só para os magistrados, é para qualquer pessoa.

– A internet não é território sem lei.

Claro que não. Qualquer pessoa sabe que qualquer ação que ela fizer vai ter um resultado. O resultado pode ser lícito ou ilícito. Pode causar prejuízo ou um bem. Cada pessoa escolhe o seu caminho, tem o livre arbítrio para definir. Não falo isso só com relação aos magistrados, mas a qualquer pessoa.

– Há ministro do Supremo falando em superjuízes. Qual a sua opinião?

Todo juiz é super. Tenho admiração, respeito total a todos os magistrados.

– O juiz tem que andar de ônibus, é uma espécie de metáfora social, para ser mais sensível à sociedade?

Antigamente, o juiz ficava absolutamente isolado. Isso é uma postura que a sociedade mudou completamente. O juiz participa de todos os atos sociais. Ele tem que ter uma vida normal, como qualquer pessoa. Uma vez ou outra peguei ônibus, metrô ando demais. Adoro o metrô, trem e metrô são os melhores.

– Todo mundo que assume a presidência do Tribunal fala que vai investir na primeira instância, porta de entrada dos processos. Qual o seu projeto?

Temos algumas ideias, mas agora é momento de repensar o que vai acontecer com o Tribunal no futuro. Não dá para tomar decisão que não faça sentido daqui a cinco ou 10 anos.

– E o que o senhor pensa sobre o Judiciário do futuro?

Muito uso da tecnologia e atuação do juiz voltada para os casos diferentes. Nós temos hoje muitos processos de massa, como se diz. São ações repetitivas e, por isso, os tribunais de Brasília – o Supremo e o Superior Tribunal de Justiça – definem decisões que são padronizadas e vinculativas para todos os tribunais, são os recursos repetitivos e a repercussão geral. E as súmulas vinculantes. Isso tem que entrar na máquina, inteligência artificial ou robô que seja resolvendo. Quando o caso sair da rotina, aí vem a intervenção do juiz. O futuro vai ser esse e, se Deus quiser, teremos menos processos para julgar.