Tatiane Spitzner: advogada de 29 anos caiu de apartamento após ter sofrido agressão de seu marido
Tatiane Spitzner, 29 anos, advogada. Tinha tudo para ter uma vida brilhante, mas teve sua vida encerrada brutalmente num domingo, 22 de julho. Tatiane caiu do seu apartamento do quarto andar onde morava com o marido, Luis Felipe Manvailer, em Guarapuava, no Paraná. Se caiu ou foi jogada? Fotos das redes sociais mostram sua vida de conto de fadas com o marido. Vídeos do dia em que morreu mostram um filme com requintes de terror.
Tatiana foi cruelmente espancada pelo marido. Apanhou. Foi chutada. Recebeu golpes de luta. Teve os cabelos puxados. A cabeça sacudida. Tentou fugir, foi perseguida. Humilhada. Abusada. Empurrada, esganada. Torturada como nos piores filmes de suspense. Era uma mulher linda. Inteligente. Jovem. Por que Tatiana não conseguiu sair a tempo e acabou perdendo a vida?
A esperança de viver um grande amor e o medo da solidão passeiam por todos os níveis sociais. Por ricos e pobres. Feios e belos. Fazem vítimas sem preconceitos. Tatiana morava com o inimigo. Desde quando? Por que ainda aturava isso? Porque abusadores conseguem manter a vítima amarrada a eles. Como uma teia esperando insetos desavisados. Como bicho capturado em armadilha.
Abusadores maltratam, mas não largam o osso. Batem, depois pedem perdão. Juram que não vai mais acontecer. Dizem que amam. Postam frases apaixonadas e declarações melosas. A vítima, cansada, acredita. Quem sabe dessa vez? Mentira. Eles não mudam.
Outras surras virão. Várias. E xingamentos. Críticas. Mentiras. Humilhações. A vítima vai murchando. Deprimindo. Acreditando que não presta mesmo para nada. Que não faz nada direito. Que a culpa é dela. Que não vai encontrar ninguém melhor. Sim, eles usam isso para ameaçar. E fica. Até ser encontrada morta. Nos vídeos, é possível acompanhar as surras no carro. A perseguição na garagem. O massacre no elevador. Tatiane desmaia. O agressor não para. Continua batendo. Não há empatia. Não há culpa. Não há remorsos. Imagina o desespero dessa moça?
Tatiana gritou por socorro. Quem quer morrer não grita por socorro. Ela contava com ajuda. Que não teve. Qualquer uma. De qualquer pessoa. Uma aparição de porteiro. Uma campainha insistente. Uma batida na porta. Por que não teve? Porque a gente se habituou a ouvir, mas não meter a colher. A gente quer saber, fofocar, mas não ter que tomar atitudes. Temos almas frias. Somos leões de redes sociais. Mas, covardes e omissos, perdemos a capacidade de reagir na vida real.
Eu não vejo. Não ouço. Não falo. Permanecemos num silencio assassino. Numa ausência de socorro criminosa. Quem sabe segundos antes ela teria sido salva? Chamaram a polícia. Mas polícia hoje em dia… até que chegue… para Tatiana foi tarde demais.
Após a queda, o marido desceu. Olhou a mulher ensanguentada no chão. Pediu socorro? Chamou ambulância? Os bombeiros? Não. Carregou o corpo de volta para o apartamento. Todo mundo sabe que em corpo que sofre um acidente não se mexe. Se todo mundo sabe, quanto mais Luis, um professor de biologia. Uma pessoa desesperada pode arrastar um corpo até um carro? Sim. Na pressa de socorrer, de salvar. Mas constatar que a pessoa morreu e arrastar o corpo inerte de volta para o apartamento, serve exatamente para quê? Para esconder? Para desfazer provas? Despistar a polícia? Disfarçar para os vizinhos? Para fazer de conta que nada aconteceu? Ou para, mais uma vez, protegido pelas quatro paredes, acabar de bater e de matar? Gente, quem é inocente não esconde corpo.
Depois de esconder o corpo no apartamento, Luis voltou para limpar marcas de sangue suspeitas no elevador. Para poupar o faxineiro? Claro. Só para isso. Muito politicamente correto esse rapaz. Quatro minutos após a polícia chegar, ele rouba o carro de Tatiana e sai. Rouba, não. Pede emprestado. Ela morta não ia poder usar mesmo. Que mal que tem?
Sai. Para arejar a cabeça, provavelmente. Tinha passado por muito estresse, né? Foi passear logo ali, em direção ao Paraguai. Fugindo do flagrante? Para escapar ileso? Continuar solto e livre por aí? Impune para sempre? Mas não era inocente? Para que fugir? Sua mulher cai da varanda, morre e você foge da polícia? Sai do prédio quatro minutos depois que eles chegam no prédio? Por quê? Não tinha que ficar lá para colaborar? Dar seu depoimento? Contar como foi? Inocentes não costumam fugir da polícia.
Quem jogou Tatiana do quarto andar? A esperança besta de ser feliz ao lado de um abusador? A angústia de perceber que ia apanhar até morrer? O desespero de tentar passar para o apartamento do lado? A chance de que o marido, vendo o tamanho de sua aflição, se comovesse e parasse com o massacre? A tentativa de que alguém, enfim, aparecesse para lhe defender?
De toda forma, foi empurrada. Pela omissão dos vizinhos. Pela demora da polícia. Pela relação abusiva que vivia em silêncio. Ou vocês acham que essa foi a primeira surra que Tatiana levou? Claro que não. Os abusos começam aos poucos. Umas grosserias. Um sacolejo. Um xingamento. Um deboche. Um empurrão. Sempre seguidos por um pedido de desculpas. Promessas de um grande amor. Vão num crescente. Mais agressões. Mais declarações. Um ciclo do mal.
Muitas mulheres têm vergonha de pedir ajuda. Medo. Ou uma estranha esperança de que, quem sabe, agora vai dar certo. Sofrem em silêncio. Arrumam desculpas para os roxos espalhados pelo corpo. Só elas sabem dos roxos que carregam na alma. Há a possiblidade de que Tatiane tenha pedido o divórcio. Terá sido essa a causa do destempero de Luis? Nenhum torturador suporta bem a saída do torturado. O que será deles sem seu objeto de tortura?
Eles lutam com todas as forças. Não por amor. Não há amor ali. Há uso. Há abuso. Há posse. Ciúmes. Controle. Se não vai ser dele, não vai ser de mais ninguém. Melhor que morra. Que seja destruído. Luis Felipe nega ter matado a esposa. Se não houvesse vídeos do massacre, provavelmente negaria que bateu também. Negaria a ocultação do cadáver da mulher. O corpo morto de Tatiana foi para o apartamento andando sozinho, sem ouvir seus conselhos de que ficasse quietinho.
E o roubo do carro? Luiz, provavelmente alegaria sequestro. Foi o carro que lhe roubou e saiu andando sozinho, com destino ao Paraguai. Apesar de seus apelos.
Luis está preso. Até quando? No Brasil, poucos homens ficam presos por feminicídio, estupro, abuso, agressões a mulheres. São prisões rápidas. De curta duração. Uma espécie de cala a boca para as mulheres não dizerem que não há punição. Como se tirar uma vida fosse pouca coisa. Como se uma mulher a menos não fizesse diferença. Uma mulher morta é uma mãe sem filha. Muitas vezes, filhos sem mãe. Famílias despedaçadas sempre.
Quem empurrou Tatiana? De suspeitos? O marido abusador. Mesmo que ele não tenha jogado, levou uma pessoa a querer pular de uma janela para não morrer a pauladas. Como um cachorro vira-latas sarnento. Nem cachorro merece isso. Imagina o desespero dessa moça? De uma forma ou de outra, ele matou Tatiana. As leis permissivas cheias de brechas e francamente machistas. A justiça fria que não se coloca na nossa pele, no nosso lugar. Estavam todos naquela varanda. Como quem sussurra baixinho:
– Manda ver. Não vai dar em nada mesmo. A gente garante.
Tatiana morreu como ninguém merece morrer. Humilhada. Sofrendo. Desesperada. Quantas mais ainda precisarão passar por isso? Quantas de nós nessa lista? Quantas sem que nada seja feito? Até quando Tatianas serão empurradas para fora da vida?
Basta! É preciso uma atitude. Um movimento. Uma reação verdadeira. Mulheres são vida. Criam vida. Merecem continuar vivas. A gente não vai se calar. Justiça para todas nós.
Mônica Raouf Bayeh é psicóloga clínica.