STF: polêmica envolve julgamento de causas em que atuam como advogados parentes de juízes (foto: divulgação)
O Supremo Tribunal Federal não autorizou os juízes brasileiros a julgar causas em que algum parente seu seja advogado. Essa prática é vedada pelo artigo 144, inciso III e § 3º, do CPC. O que a maioria dos ministros decidiu, em Plenário Virtual, foi considerar inválida uma norma que já não era aplicada, que estendia o impedimento a causas patrocinadas por outros advogados do escritório em que eles trabalham.
Segundo essa norma, na prática, o magistrado seria obrigado a conhecer todos os clientes das bancas integradas por seus parentes e se declarar impedido em quaisquer causas em que eles constem como parte — não em relação ao parente, nem à pessoa ou empresa defendida pelo parente, mas qualquer cliente do escritório de advocacia em que o parente trabalha. Por exemplo, se a mulher de um julgador atua em um escritório, e a firma atende a uma empresa em casos societários, o magistrado não poderá julgar nem mesmo uma ação trabalhista movida contra tal companhia por um advogado de outro Estado. Assim, o impedimento se projetaria para qualquer processo em que a parte tenha interesse. A regra do inciso VIII do artigo 144 do CPC diz que o juiz fica impedido “no processo em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório”.
Prevaleceu no julgamento o voto divergente do ministro Gilmar Mendes, decano da corte, que foi seguido pelos ministros Cristiano Zanin, Luiz Fux, Dias Toffoli, Kassio Nunes Marques e Alexandre de Moraes. O voto do relator, ministro Edson Fachin, pela validade total da norma do CPC, foi seguido integralmente pela ministra Rosa Weber, presidente da corte, e parcialmente pelo ministro Luís Roberto Barroso. A ministra Cármen Lúcia e o ministro André Mendonça ainda não registraram seus votos.
A norma foi questionada em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Segundo a entidade, a regra de impedimento não tem como ser aplicada por ato unilateral do magistrado a partir do exame do processo no qual haveria de se declarar impedido. Assim, “a norma deve estar sendo descumprida pela maioria quase absoluta dos magistrados, sem que saibam que estão incorrendo nesse descumprimento”, disse a associação.
Serviço inviabilizado – Em seu voto, Cristiano Zanin buscou demonstrar exatamente a ideia de que o julgador pode não ter conhecimento de quem é ou não cliente do advogado parente. Isso não significa, porém, que os magistrados estarão autorizados a julgar casos patrocinados por advogado parente. Assim, o voto defende que o juiz não fique impedido de julgar pessoa física ou jurídica que já foi ou é cliente de advogado parente, em causa diversa.
“Na prática, a solução de reconhecer o impedimento do magistrado inviabiliza os serviços judiciários. Por outro lado, impedir o parente do magistrado de atuar como advogado, além de ser juridicamente impossível, restringe as oportunidades de terceiro, em afronta à liberdade de iniciativa e ao direito ao trabalho e à subsistência”, explicou Zanin. O ministro destacou que, nos autos, o Senado, a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria Geral da República reconheceram que a aplicação literal e absoluta do dispositivo questionado podem conduzir a graves distorções. “O primeiro questionamento, então, é como exigir que o magistrado efetivamente conheça a carteira de clientes do escritório no qual atua seu parente”, anotou Zanin. Nesse sentido, o ministro destacou que a relação entre o advogado e o seu cliente é sigilosa. “É inclusive infração disciplinar a violação do sigilo profissional (art. 34, VII, da Lei nº 8.906/1994 – Estatuto da Advocacia). Não há nenhuma obrigação de o advogado informar o seu parente magistrado sobre a sua carteira de clientes”, acrescentou ele.
Além disso, os escritórios de advocacia por vezes funcionam com estrutura nos moldes empresariais, contando com centenas de advogados e até defendendo boa parte das grandes empresas. “Em resumo, muitas vezes o advogado não saberá com detalhes a carteira de clientes do escritório”, anotou Zanin. Ainda segundo o ministro, a regra impugnada também acarreta entraves nas instâncias ordinárias. “Na prática, se aplicada a norma, por exemplo, o magistrado do Juizado Especial se dará como impedido em quase 30% de seus processos (apenas considerando os cinco maiores litigantes)”. O ministro apontou que também haverá pressão contra o advogado que seja parente de magistrado, que ficará impossibilitado de trabalhar em um escritório de médio ou grande porte, a fim de evitar constrangimento.
“Em resumo, a norma questionada ofende a Constituição, pois (i) impõe regra objetiva de impedimento de magistrado de forma desproporcional, em grave prejuízo ao serviço público e à segurança jurídica; (ii) afeta inclusive interesse de terceiros, parentes de magistrados, em ofensa aos postulados da livre iniciativa e do direito ao trabalho; e (iii) cria injustificada distinção entre advogados públicos e privados”, concluiu Zanin.
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