Velhice desprotegida: governo articula reforma previdenciária que corta direitos de servidores e rompe garantia do concurso público

 

Liberais adoram dizer duas coisas: que não existe almoço grátis e que contrato se cumpre. A segunda parte sempre aparece quando algum banco está querendo cobrar seus juros extorsivos ou um credor internacional quer o seu e ponto final. Contrato se cumpre. Como explicar então que o governo federal se prepara, com aval dos liberais ou em nome deles, para quebrar os contratos estabelecidos com os funcionários públicos em relação às suas aposentadorias? Quando uma pessoa faz concurso público, assume deveres e adquire direitos. Faz um contrato por meio do concurso. Não pode negá-lo.

Imaginemos o seguinte caso paradigmático. Um professor de uma rede pública está a dois anos da aposentadoria. Ganha, para usar um valor fácil de manipular, R$ 3 mil. Vale lembrar que funcionários públicos não têm FGTS e contribuem para a aposentadoria sobre a totalidade dos seus salários. Aí aparece Michel Temer, com sua turma, e decide fazer uma reforma previdenciária que tornará todo mundo igual. Nosso professor, em vez de dois anos, terá que trabalhar três. Até aí nada de assombroso. Ele está pronto. Mas e o salário? Pelo contrato assumido pelo empregador com ele, a sua aposentadoria seria integral. Pela nova regra, porém, ele ganhará 51% da média das suas contribuições, mais 1% por ano trabalhado além dos 25 mínimos exigidos pela reforma. Vai tomar um camba. Será esfolado pela reforma do “sem-votos”.

Nosso funcionário perderá no mínimo 40% do salário. Quem lhe ressarcirá as perdas? Por que o seu contrato pode ser rompido unilateralmente com prejuízo exclusivamente para ele? Esse funcionário só tem dois caminhos: o preventivo e o corretivo. Pelo preventivo, deve sair às ruas para protestar incansavelmente contra o assalto ao seu bolso e aos seus direitos adquiridos honesta e laboriosamente. Pelo corretivo, se a turma citada na Lava Jato aprovar a reforma, terá de ir à Justiça reclamar o que é seu. Uma Justiça criteriosa não terá dificuldade para reconhecer o esbulho.

Um governo decente só tem um caminho para esse tipo de reforma: fixar novas regras para quem está entrando no serviço público. Ou seja, estabelecer os termos dos contratos futuros. Contratos perfeitos só podem ser anulados por acordo entre as partes. Se o governo pode romper contratos assinados com funcionários, por que não faz o mesmo com os credores das suas dívidas, esses parasitas que enchem burras sem trabalhar, os que vivem do famoso rentismo? Temer acena com o chicote para a plebe e faz mesuras com suas mãos cada vez mais afetadas para a turma dos camarotes. Quando se discutiu a lei dos Sexagenários, os senhores de escravos também exigiram um pedágio de três anos de trabalho dos velhos cativos. Se o escravizado tinha 63 anos, continuaria no jugo até os 65. Ainda somos os mesmos.

Na lógica dos nossos senhores, desde a escravidão quem tem de pagar o pedágio é sempre o escravizado. Jamais passou pela cabeça dos escravistas que cabia a eles pagar indenização. Será que a lei dos açoites, abolida apenas em 1886, voltará? Não duvido. No caso, porém, deverá constar em algum artigo da reforma trabalhista. Tremei!