Polêmicas na internet: procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima se tornou famoso por opiniões políticas divulgadas nas redes sociais
Presença diária nas redes sociais, a qualquer hora de qualquer dia, o procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima tem sido destaque como “texteiro” de facebook de autopropaganda, bem como para atingir réus sob sua acusação. Recentemente, sua postura lhe rendeu algumas vitórias pessoais, como quando, ao lado do procurador da República Deltan Dallagnol, foi o membro do MPF com mais seguidores responsáveis pela grita contra o decreto de indulto de natal. Mais tarde, a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia deferiu a liminar de suspensão de parte do decreto requerida pela Procuradoria Geral da República, apesar de incontáveis críticas no meio jurídico, que se viu estarrecido com essa decisão que afetou a vida de milhares de pessoas acusadas e condenadas que não têm nenhuma relação com a Lava Jato.
O procurador é uma das principais apostas da força tarefa da Lava Jato. Vale lembrar de Deltan Dallagnol, que repercutiu intensamente nos últimos anos ao palestrar em igrejas evangélicas, country clubs, apresentar em rede nacional um powerpoint supostamente incriminatório contra o ex-presidente Lula, dentre outras aventuras. Suas recentes aparições em rede social servem-se para, na sua maioria, especificamente compartilhar e, então, amplificar o alcance de Santos Lima. Das seis manifestações no facebook neste ano, em quatro de Deltan Dallagnol compartilhou o colega com seu imenso público, colhido nos últimos anos pela repercussão positiva da grande mídia quanto a seus atos na profissão. Os recentes esforços se somam ao capital político conquistado nos últimos anos por Santos Lima.
O crescimento da repercussão do procurador, que não poupa ninguém de suas pretensões acusatórias e seus alvos preferidos, tem lhe rendido maior espaço na mídia. Em entrevista de uma página à Folha de S. Paulo, Santos Lima não respondeu diretamente as diversas perguntas do jornal sobre se a preservação de empregos o preocupa. Sobre isso, na visão dele, vale a pena uma investigação que afete todo o setor de uma economia. Ele devolveu com outra pergunta e acabou também não respondendo .
Folha: Então pode valer a pena uma investigação quebrar uma empresa ou até um setor todo da economia?
Santos Lima: Vale a pena manter um crime organizado funcionando? Se eu salvar as empresas eu vou manter o crime organizado funcionando? Eu vou acreditar meramente então que eu passei a mão [na cabeça], ninguém foi punido e tudo vai ser 100% daqui para a frente?
Em editorial, o Estadão questionou a postura dos profissionais que usam de suas redes para promover interesses próprios muito distantes das atribuições constitucionais, bem como instigar um macartismo sob o mantra de “ameaça a Lava Jato”:
É extremamente cômoda a posição de alguns membros do Ministério Público Federal (MPF). Amparados pelo conforto material e funcional que só alcançam os que pertencem à elite do funcionalismo público, arvoram-se em titulares inatacáveis da missão de purgar o País de seus males históricos e, por essa razão, sentem-se à vontade para extrapolar os estritos limites de suas atribuições constitucionais.
Por meio de suas contas nas redes sociais, como o twitter e o facebook, esses procuradores se engajam em uma deletéria campanha de judicialização da política – ou da politização da Justiça – em busca da aclamação popular que lhes garanta ainda mais espaço para impor uma agenda que seria própria das lides políticas.
Não são incomuns manifestações públicas de alguns membros do MPF de viés claramente político, o que escapa às competências originárias da categoria definidas pela Constituição. Por meio das redes, imiscuem-se em temas que vão desde o modo como os cidadãos devem se comportar numa fila até o impeachment de ministros do STF.
Tome-se, por exemplo, a condenação indiscriminada da atividade política e dos políticos, considerados assim, no plural indeterminado. Estivessem genuinamente preocupados com o bom destino da Nação, esses procuradores da República pensariam com mais cautela nas implicações que tal campanha pode ter na vida institucional do País. O antípoda da ideia de que toda a política é corrompida é a antipolítica. O que de bom há de surgir disso?
Ressalte-se que a propaganda é reforçada com a vaga e intimidadora expressão “ameaça à Lava Jato”, como se tudo o que contraria os interesses de alguns membros da força-tarefa fosse, necessariamente, um ataque à operação que consideram ser deles, e não do Estado.
Em resposta, o Procurador afirmou que deixou de se importar com o que o jornal diz e compartilhou apenas um parágrafo do texto para falar que ele deseja uma política limpa no país:
Já há algum tempo deixei de me importar com os editoriais de O Estado de S. Paulo. Os editoriais desse jornal são completamente dissociados das próprias notícias que publica, como se seus autores vivessem em uma torre de marfim, alheios à realidade, da qual somente se dignam a descer se for para visitas a palácios para ouvir versões oficiais. Entretanto, não se pode achar que se trata de um mero autismo em relação à sociedade brasileira, quando se trata na verdade de uma visão completamente partidarizada de apoio ao atual Governo Temer e aos interesses que representa.
Seja lá como for, faz o editorial de hoje [8/1] uma acusação sobre posicionamentos de ‘procuradores’ no sentido de que a política é um mal em si. Para ser justo com o editorial (coisa que o jornal não costuma ser, pois não permite artigos que os contradigam), foram estes os exatos termos da sua diatribe:
‘E o atual estado de anemia de lideranças só será superado quando a política deixar de ser vista como um mal em si, uma ideia nefasta que alguns procuradores fazem questão de disseminar’.
Trata-se evidentemente como uma inverdade. Na esperança de fazer crer que essa política que está aí, composta de trocas espúrias de favores pelas elites, da compra de apoio parlamentar com liberação de recursos públicos, de recorrentes escândalos de corrupção na classe política, de milionárias campanhas eleitorais financiadas com dinheiro público desviado, dentre outras coisas, como a única e possível forma de política é nos fazer crer na nossa incapacidade enquanto sociedade de fazer transcender de um modelo patrimonialista anacrônico e reprodutor de privilégios para um modelo de Estado eficiente e orientado para o atendimento exclusivo do interesse público.
Creio que, aceitando minha parcela nos demonizados ‘procuradores’ desse infeliz editorial, posso dizer que o desejo é que haja política limpa no país, com partidos identificados com ideias e propostas, e não com cargos e recursos; que haja lideranças partidárias que alcancem os postos diretivos pela capacidade de inspirar mudanças positivas, e não com a simples distribuição de recursos públicos de que não são donos, e que haja políticos que tenham interesse em representar toda a população em seus desejos e esperanças, e não de visitar eleitores apenas em períodos eleitorais enquanto na maior parte do tempo apenas ficam trocando favores com empresários.
Também incomodado com a postura de Santos Lima, o próprio Conselho Superior do Ministério Público, por meio de um de seus conselheiros, recomendou, após reclamação movida pela defesa do ex-presidente Lula, que ele “se abstenha de emitir juízos de valor, por meio de redes sociais e na esfera privada, em relação a políticos, partidos políticos e pessoas investigadas e/ou acusadas” nos desdobramentos da Operação Lava Jato. O ex-presidente costuma ser alvo comum de suas postagens.
A recomendação, no entanto, não surtiu efeito ao polemizador, que nesta segunda [8/1] compartilhou uma nota de apoio de sua associação de classe, a ANPR, e em texto afirmou ser vítima de tentativa de censura. Pelo andar da carruagem, é de se esperar que a onipresença dos procuradores da Lava Jato apenas aumente. Resta saber se a recepção sem filtro da mídia, tão presente nos últimos anos, continuará.