Silvane Maria Marchesini: pesquisas abordam temas vinculados ao Direito e à Psicanálise (foto: reprodução)
A coluna “História do Judiciário Paranaense”, da página do Tribunal de Justiça na internet, homenageou, no dia 23 de junho, a consultora jurídica Silvane Maria Marchesini. O espaço é mantido pelo desembargador Robson Marques Cury, que escreveu:
Silvane Maria Marchesini é jurista, bacharela em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), psicóloga, pós-graduada e mestra em Psicologia Clínica, com área de concentração em Psicanálise, pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTPR). Silvane ainda é consultora jurídica do Tribunal de Justiça (TJPR) e professora na UFPR nas cadeiras de Organização e Divisão Judiciarias, Prática Processual Civil Forense e Psicologia Jurídica.
Silvane foi influenciada positivamente pelo seu pai, o jurista Waterloo Marchesini, assim como pela sua mãe, a filantropa Lorys Jorge Marquesini. Foram fundamentais à sua formação acadêmica de mestrado as disciplinas ministradas pelos professores Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Norberto Carlos Irusta, Iglair Terezinha Marquetto Chiamulera e Gilberto Genova Gobbato. Palestrante em eventos promovidos na UFPR e demais universidades, assim como no Tribunal do Trabalho, com formação para juízes e servidores sobre Direito e Psicanálise. Ex-membro em formação em Psicanálise da Biblioteca Freudiana de Curitiba e do Núcleo de Direito e Psicanálise do Programa de Pós-Graduação de Direito da UFPR.
Atualmente, é psicanalista, pesquisadora universitária na universidade francesa e escritora. Doutora em Psicanálise pela Université Nice Sophia Antipolis, na França. Membro do Conselho Editorial da Revista “Etudes sur la Mort en Thanatologie” e autora dos livros: “O direito a ter criança fora da sexualidade” (Editora LTr), “Adoção homoparental: Psicanálise aplicada à casuística do Direito (Editora LTr), “O sujeito do direito na transferência: uma perspectiva transdisciplinar por meio da teoria lacaniana dos discursos (Editora Juruá), “Direito e Psicanálise: interseções a partir de ‘O estrangeiro’, de Albert Camus” (Lumen Júris Editora) e “Contribuições de Freud à arte e à cultura” (Alínea Editora).
Silvane também prestou relevantes serviços como assessora jurídica do TJPR nos gabinetes dos desembargadores Zeferino Mozato Krukoski, Cláudio Nunes do Nascimento, Clementino Schiavon Puppi e Altair Fernando Patitucci. Destacou-se como docente por quase um lustro na cadeira de Prática de Processo Civil na Faculdade Curitiba. Seu contemporâneo na assessoria jurídica – denominação do cargo posteriormente alterado para Consultoria Jurídica da Corte paranaense –, o escritor, filósofo e poeta Celso de Macedo Portugal, gentilmente atendendo a meu pedido, traça o perfil do pensamento jurídico de Silvane Marchesini (ver no final da matéria).
Silvane Maria Marchesini, convidada pela Comissão Permanente de Apoio à Saúde dos Magistrados e Servidores do TJPR (Copas), presidida pela desembargadora Vilma Régia Ramos de Rezende, proferiu palestra por videoconferência, transmitida pelo canal YouTube, no dia 20 de junho de 2023, sobre o tema “Suicídio Assistido: Sim ou Não”, lançando interrogação: “A nova ‘pena de morte’ induzida pela sociedade contemporânea?”
Na minha modesta visão, o envolvimento da ilustre pensadora nessa leitura cruzada entre o discurso jurídico e o discurso psicanalítico conduz inapelavelmente à sua nominação de “juspsicanalítico”, na mesma linha de raciocínio daqueles pensadores que a influenciaram, avançando sobre o “direito à integridade física e psíquica”, albergado pela Constituição brasileira, para explorar reflexões sobre as mutações e desordens reais do mundo contemporâneo e visando novel justificativa ética do sujeito nos discursos, bem como as relações e responsabilidades sociojurídicas entre as “pessoas físicas e jurídicas” e a natureza.
Acesse, aqui, a matéria publicada pelo TJPR.
Agradecimento – Silvane encaminhou à Aconjur-PR a seguinte nota de agradecimento: “Gostaria de manifestar, diante da Aconjur-PR, minha profunda gratidão pela honraria recebida no site do Tribunal de Justiça expressa pelo distinto e sensível intelectual desembargado Robson Marques Cury, e, especialmente, pelo caro colega e amigo, consultor jurídico, filósofo e poeta Celso Portugal”.
As pesquisas acadêmicas de Silvane Marchesini
Celso de Macedo Portugal
As pesquisas acadêmicas de Silvane Marchesini estão embasadas na teoria dos discursos, de Jaques Lacan: “Discurso do mestre”, “Discurso do universitário”, Discurso da histérica”, “Discurso do psicanalista”. Trata-se de quatro fórmulas apresentadas para analisar a comunicação, o desenvolvimento dos discursos e da estruturação dos laços sociais na civilização ocidental. Através dessas fórmulas, Lacan explica as diferentes posições do sujeito em relação à verdade, a qual surge de modo sempre ativo na linguagem, conforme os diferentes discursos.
A pesquisadora demonstra que aproximar o “Discurso do psicanalista” ao “Discurso do direito” faz emergir questionamentos sobre forças inconscientes “reais, simbólicas e imaginárias” que certamente vêm influenciar a exegese e a interpretação jurídica contemporânea, como também já sustentado pelo jurista Chaim Perelman na sua “Teoria da argumentação”. Nessa complexa pesquisa transdisciplinar, Silvane Marchesini amplifica a noção de sujeito de direito, concebendo-o como “efeito de linguagem”, como efeito do que se denomina, na Psicanálise, de “metáfora do nome-do-pai”. Portanto, num novo estilo de significante de Direito que considera a influência da lógica do inconsciente sobre a “razão prática”, ampliando a crítica ao sujeito da metafísica, a autora analisa os efeitos sobre a subjetividade das novas inversões discursivas e de valores.
Observa que a influência das singularidades inconscientes de cada sujeito – em decorrência da “lógica edípica” – sobre a “razão prática” e argumentação discursiva tem como consequência a impossibilidade de julgamento científico e jurídico “absoluto”. Ou seja, observa quais as possibilidades de um “julgamento razoável”, pessoal ou científico, face a influências inconscientes subjetivas que aparecem na retórica. A autora explica em sua obra que a retórica é vivificada pelos níveis inconscientes da linguagem e é, portanto, viva. E, assim sendo, a lei jurídica, vista como discurso, se produz como “instância simbólica” da humanidade.
Toda retórica, mesmo a jurídica, sofre influências da lei psíquica inconsciente/consciente determinante de cada sujeito envolvido no discurso. Assim, nesse processo “psíquico-somático linguístico” (Pierre Legendre), à medida que o superego social se transforma devido a múltiplos fatores socioculturais, ocorrem mutações também no superego individual no transcurso transgeracional. O superego, instância inconsciente julgadora de nossos atos e omissões, se constitui de introjeções dos “interditos fundamentais de humanização”, e está relacionado à autoridade hierárquica paterna e à educação.
Segundo o jurista e psicanalista francês Pierre Legendre, primeiro a construir uma obra jus-psicanalítica, o Direito é uma escala institucional da humanidade que “institui vida”. O Discurso do Direito se prende à proteção da vida e de seus valores inerentes. Porém, o Direito perde sua força instituidora à medida que se desvincula da referência absoluta, Deus, perdendo igualmente sua legitimidade para transmitir, na sequência de gerações, o “interdito”, ou seja, o limite entre o ilícito/lícito.
A pesquisadora compila em seus livros os principais conceitos e constatações advindos da clínica psicanalítica, transportando importantes informações ao campo do Direito com o objeto de transmitir aos profissionais conhecimentos indispensáveis na atualidade para trabalharem com casuísticas jurídicas complexas, principalmente com questões alusivas aos novos “direito de início e fim de vida”, como as questões decorrentes das atuais práticas de “procriação médica assistida”, “gestação por mãe portadora”, “suicídio assistido medicamente”, “homoparentalidade e adoção de crianças’.
Perguntas cruciais e incomuns conduzem as pesquisas científicas da autora quanto ao “direito de se ter criança fora da sexualidade”, cujo paradoxo vem sublinhar a complexidade das reflexões que se colocam, atualmente, após o progresso das tecnologias medicais que separaram o ato sexual da procriação, e o “ato do desejo” da criação de uma nova vida humana que passa a ser laboratorial. O que está no coração das questões fundamentais que Silvane Marchesini coloca para a pós-modernidade, em situando o debate, é a questão da origem, de onde viemos e para onde iremos.
Celso de Macedo Portugal é filósofo e consultor jurídico aposentado.