Ainda tenho Erico Veríssimo como um dos meus autores favoritos e dele guardo enorme saudade. Foi o maior escritor do seu tempo e continua sendo um dos grandes até hoje. É sempre com renovado prazer que se lê “O Tempo e o Vento”, “Incidente em Antares” e a autobiografia “Solo de Clarineta”, entre outros títulos assinados pelo bom gaúcho de Cruz Alta.
Não sei se o Rio Grande do Sul já prestou a devida homenagem a Erico, batizando com o nome dele uma praça, uma avenida ou um edifício público. Talvez não, porque a ingratidão e o esquecimento são próprias do ser humano.
No entanto, Erico Veríssimo é um brasileiro que está fazendo muita falta ao Brasil. Até porque, além de romancista – ou contador de histórias, “fascinado pelas pessoas e pelos problemas humanos”, como ele preferia identificar-se –, lido e aclamado em vários idiomas, Erico era um homem de posições definidas (e corajosas), consciente e participante, cuja voz – como anotou o professor gaúcho Sergius Gonzaga –, “independente dos livros que escrevia, ecoava por toda a Nação”. E que, numa época em que ainda existia esquerda e direita, ousou atacar as duas. Em defesa da democracia e da liberdade de expressão. Exatamente quando essas duas instituições eram palavras malditas, abominadas pelo poder dominante, e estavam banidas do vocabulário brasileiro.
– Esse negócio de liberdade – dizia Erico – me faz sempre lembrar de um episódio de minha infância. Quando menino, fui chamado a segurar uma lâmpada, enquanto um soldado operava um pobre-diabo que tinha sido “carneado” por soldados da polícia municipal. Ele estava horrivelmente ferido, apareciam-lhe os intestinos e tinha o rosto todo retalhado. Eu sentia medo e náusea, mas não larguei a lâmpada. Acho que a nossa tarefa, como escritor, é essa: com medo ou não, segurar a lâmpada acesa para deixar que apareçam as injustiças do mundo.
E acrescentava: “Se não tivermos uma lâmpada elétrica, acendamos o nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos fósforos repetidamente, como um sinal de que não desertamos do nosso posto”.
Assim era Erico!
Assim também precisam ser os nossos jornalistas. Com náusea ou com medo, devem sustentar acesa a luz que desnuda aos olhos da população os vendilhões da Pátria, os falsos defensores do povo e a caterva que está sempre pronta a assumir o poder.
Eu, modestamente, tenho tentado fazer isso, gastando, como me é possível, os meus palitos de fósforo. Sem medo, mas com muita náusea, confesso.
Por isso, sempre tive em Erico Veríssimo um dos meus tipos favoritos. Foi um exemplo. De competência profissional, de dignidade, de integridade e coragem pessoais e, sobretudo, de coerência – um destemido soldado na defesa dos direitos humanos e da liberdade de pensamento e de ação, com acentuado sentimento de justiça e toda repugnância pela violência e por qualquer tipo de tirania ou totalitarismo.
Ele admitia ter apenas um receio: de perder a capacidade de indignação e cair na resignada aceitação.
– Não quero ser indiferente – frisava, adicionando: “Dentro de mim ouço sempre meu grito de indignação. Quando choro pelo outro, sei que estou chorando por mim. Quando tenho receio pelo outro, tenho também por mim. Não sou santo, sou humano”.
Sim, um homem, mas um homem fascinado pela capacidade humana de sobreviver e para quem o grande herói deste país sempre foi e sempre será o povo, o ser comum, que, se continua vivo, é de teimoso.
Até porque, como também dizia Erico, “no Brasil, infelizmente, o governo não é exercido por estadistas, mas por homens de negócio”.
Célio Heitor Guimarães é jornalista e consultor jurídico aposentado.