De todos os vícios a que o ser humano está sujeito, o mais mortal – surpreenda-se, leitor – é o fumo. Sim, o velho e simpático cigarro e seus derivados charuto, cachimbo, cigarrilha e assemelhados. Muito mais do que o álcool, a cocaína, o crack e outras desgraças do ramo. O cigarro é (ainda) socialmente tolerável, está à disposição da distinta freguesia em cada banquinha da esquina, que antes vendia jornais e revistas, ainda é relativamente barato, já fez parte de esplendorosas campanhas publicitárias e já patrocinou multíplices promoções, inclusive e principalmente de caráter esportivo. Também já foi obrigatório em peças teatrais e, sobretudo, filmes, cujos galãs e estrelas não seriam galãs nem estrelas se não exibissem entre os dedos o fino rolo de tabaco.
Pesquisas de laboratórios revelaram que a dependência da nicotina é muitíssimo superior à do álcool e a da cocaína. Ao inalar-se a nicotina, através da fumaça do cigarro, ela é absorvida pelos pulmões e rapidamente atinge o cérebro pela corrente circulatória. No cérebro, a nicotina estimula a liberação de uma substância chamada dopamina, que proporciona imensa sensação de prazer e bem estar ao fumante. Daí a dificuldade daqueles que a experimentaram de livrar-se dela.
Atualmente, diante da crescente oposição mundial ao tabaco, o cigarro tornou-se um pouco marginal, cercado de certa dose de maldição. Mas continua ativo, agindo ferozmente para abreviar a vida das pessoas. E ainda deu à luz um modelo eletrônico, mil vezes mais letal do que o tradicional rolinho de papel.
Já fui fumante. Na época, era moda. Fumei dos 15 aos 30 anos de idade. Fumava uma média de vinte cigarros por dia. Aí, nasceu o meu filho. E, olhando para aquele bebezinho no berço, tão alegre e saudável, perguntei-me: como vou ensinar a esse guri que o cigarro não presta, se ando com ele nos lábios? E naquele exato momento, de novembro de 1971, abandonei o vício. De uma só vez. Definitivamente. Foi difícil? E como! Eu já escrevia, mas daquele instante em diante foi extremamente custoso. Achava que a minha inspiração e a minha eventual inteligência estavam no fumo. Mas não entreguei a rapadura. Aos poucos, a escrita foi voltando, já que a inteligência só se reafirmou ao largar o vício. Às vezes, sonho que voltei a fumar. Mas logo percebo, feliz da vida, que era apenas um pesadelo.
E lá se vão 50 anos. Outro dia, de galhofa, perguntei ao meu pneumologista se eu ainda poderia morrer de câncer no pulmão. “Claro que sim” – respondeu-me ele –, “mas não será mais por causa do cigarro”.
Conto esse episódio pessoal para garantir aos interessados que deixar do vício é possível. Custa, é difícil, maltrata, tira-nos do rumo, às vezes desespera. Mas é possível. Basta ter consciência e um bom motivo. Sou prova disso. E várias outras pessoas também são.
No ano passado, perdi um cunhado muito querido, Athos Portugal Faria, do qual tenho muita saudade, para o tabaco. Como já havia perdido muitos amigos e parentes. Inclusive meu irmão, meu pai e meu sogro. Até porque, normalmente, o cigarro chama o álcool. E a mistura dos dois é explosiva. Há milhares de exemplos neste Brasil varonil. O controvertido jornalista e autor teatral Nelson Rodrigues talvez tenha sido o maior fumante do Brasil, com o consumo diário de 80 cigarros. Gostava daqueles “que queimavam a garganta”, porque achava que “o fumo suave não passa de um ópio de gafieira”. Já o cientista e escritor Richard Klein garante que “os fumantes não fumam apenas pelo prazer da nicotina, mas principalmente porque os cigarros oferecem um prazer belo, sombrio e proibido, inevitavelmente doloroso, uma vez que lhes sugere uma certa noção de eternidade”. A eternidade de Nelson Rodrigues durou pouco mais de sessenta anos, ao final dos quais sofreu terríveis problemas cardíacos e respiratórios. A morte decorrente do uso do tabaco é uma das mais tristes e cruéis que existem. O fumante não tem mais ar nos pulmões para respirar. Vi isso de perto.
Célio Heitor Guimarães é jornalista, escritor e consultor jurídico aposentado.