Quadro de Maria Betânia Silva
No dia 24 de janeiro o congolês Moïse Kabamgabe, de 24 anos foi espancado até a morte ao lado de quiosque de praia na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Em 12 minutos foram trinta pauladas. Qual o motivo? A cobrança, pela vítima, de duzentos reais, por dois dias de trabalho.
O que diria sobre tudo isso o abolicionista e advogado Luís Gama (1830-1882)? Seguem alguns trechos da obra do jurista:
Ao positivismo da macia escravidão eu anteponho o das revoluções da liberdade; quero ser louco como John Brown, como Spartacus, como Lincoln, como Jesus; detesto, porém, a calma farisaica de Pilatos.
Se algum dia […] os respeitáveis juízes do Brasil, esquecidos do respeito que devem à lei, e dos imprescindíveis deveres que contraíram perante a moral e a nação, corrompidos pela venalidade ou pela ação deletéria do poder, abandonando a causa sacrossanta do direito, e, por uma inexplicável aberração, faltarem com a devida justiça aos infelizes que sofrem escravidão indébita, eu, por minha própria conta, sem impetrar o auxílio de pessoa alguma, e sob minha única responsabilidade, aconselharei e promoverei, não a insurreição, que é um crime, mas a ‘resistência’, que é uma virtude cívica.
Estou no começo: quando a justiça fechar as portas dos tribunais, quando a prudência apoderar-se do país, quando os nossos adversários ascenderem ao poder, quando da imprensa quebrarem-se os prelos, eu saberei ensinar aos desgraçados a vereda do desespero.
Basta de sermões; acabemos com os idílios.
Lembrem-se os evangelizadores do positivismo que nós não atacamos direitos; perseguimos o crime, por amor da salvação de infelizes; e recordem-se, na doce paz dos seus calmos gabinetes, que as alegrias do escravo são como a nuvem negra: no auge, transformam-se em lágrimas.
Cláudio Henrique de Castro é advogado e professor de Direito.