O apresentador Silvio Santos, falecido no dia 17 de agosto, aos 93 anos, não era um dos meus tipos favoritos. Nem fui telespectador contumaz dos seus programas na TV. Mas não se pode negar que ele foi um dos maiores comunicadores – se não o maior – do Brasil. Na televisão, então, pintava e bordava, capitaneando a segunda maior rede de TV do país. Também não se pode esquecer que, partindo da venda de plásticos porta-títulos de eleitor, chegou a ser um dos maiores empresários do país, comandando cerca de dez empresas, da comunicação ao mercado de capitais, passando pela construção, por cosméticos e hotelaria.
Em entrevista ao Estadão, anos atrás, Silvio lembrou-se de seu primeiro negócio: tinha 14 anos e quatro mil-réis no bolso, quando decidiu comprar duas carteirinhas de plástico, as quais vendeu por dez, momentos depois. “Era um bom negócio”, disse ele – e um negócio que jamais parou. Desde então, jamais parou de vender alguma coisa. Foi camelô – que a polícia perseguia e prendia –, vendedor de canetas, dono de bar, locutor de rádio, artista de circo, animador de TV e empresário.
Antes, recuperara o Baú da Felicidade, um carnê que dava direito a prêmios no final do ano, que pertencia ao humorista Manoel de Nóbrega e que se encontrava falido. Dali e através da televisão, Silvio foi ao encontro do sucesso. Por mais de sessenta anos, dominou a programação televisiva dominical.
Não obstante, a repercussão da morte de Senor Abravanel, sobretudo nas emissoras de TV, revelou-se absurdamente exagerada. Trataram-no como rei do Brasil ou como, na opinião de Carlos Castelo, “uma divindade do panteão nacional”. A Rede Globo, então, transformou a sua programação de sábado em uma edição especial do “Jornal Nacional” dedicada a Silvio. Nem o falecimento de Roberto Marinho, fundador e dono da emissora platinada, teve tanto espaço – como registrou o nosso Zé Beto. A verdade, porém, é que, antes de ser uma homenagem, o que o noticiário televisivo almejava era a audiência.
Silvio Santos tinha defeitos? Muitos. O jornalista Luís Erlanger, ex-Globo, afirma que os brasileiros esquecem um possível “lado obscuro” das pessoas quando elas morrem e as colocam em um pedestal de admiração. “No Brasil, morrer vem com anistia automática. E bajulação” – sublinha. Erlanger aponta o apoio do apresentador ao golpe militar de 1964, cita a Tele Sena como jogo de aposta disfarçado de título de capitalização e diz que Silvio era “santo só no sobrenome”: “Apoiou todos os presidentes e se dizia ‘office boy de luxo do governo’. De qualquer governo”.
Com o desaparecimento de SS não se sabe o que acontecerá com o Sistema Brasileiro de Televisão. A televisora era ele. Os herdeiros – a mulher Íris e seis filhas – não são do ramo, nem têm, ao que parece, a faísca adiantada de Silvio. E, como são evangélicas praticantes, nada impede que transfiram o canal de TV para a Igreja que frequentam. Em nome do Senhor Jesus, é claro. Ou, como também já previu aqui o Zé Beto, que a emissora seja adquirida pelo Ratão. Dinheiro e vontade ele tem de sobra. Já é, aliás, dono da antiga TV Iguaçu, repetidora da programação do SBT em Curitiba.
P.S. Por não ser judeu, eu não sabia exatamente como é o ritual do funeral judaico. Com o falecimento de Silvio Santos, fiquei sabendo. E não só achei-o correto e adequado, como que deveria ser utilizado pelos demais credos religiosos. Na verdade, não há bem uma cerimônia funerária e tudo é marcado pela simplicidade. Não há exibição do morto em caixão aberto, não são mandadas flores ou coroas. O corpo é enterrado como veio ao mundo: sem roupa. Apenas é coberto com um lençol, simbolizando que todos são iguais perante Deus. Em Israel, o enterro é feito sem caixão, cujo uso é recomendado no Brasil por questões sanitárias. O sepultamento é feito em um jazigo simples, com lápide simples, constando o nome e símbolos religiosos. Tradicionalmente, é usada uma mortalha simples, branca, com um caixão sem enfeites ou verniz de madeira comum. No mais, há apenas a recitação de uma oração pelos parentes mais próximos.
Célio Heitor Guimarães é jornalista e consultor jurídico aposentado.