Segundo nota técnica do escritório de advocacia Cèmerson Merlin Clève, a carreira de assessor jurídico é amparada pela Constituição Federal e pela Constituição Estadual, e sua manutenção interessa ao Poder Judiciário. Essa conclusão foi lançada em estudo feito a pedido da Assejur. O ano de 2017 ficou marcado pelo debate sobre o sistema de cargos e salários nos tribunais brasileiros. No centro da controvérsia, a Resolução nº 219/16, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), editada com o objetivo de redistribuir a força de trabalho no primeiro e no segundo graus, impulsionou alguns projetos voltados à criação de um quadro de pessoal único. Os defensores desse modelo se baseiam, também, na Resolução nº 194/14, que instituiu a “Política Nacional de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau de Jurisdição”.

Previsão constitucional – As carreiras jurídicas no Estado do Paraná têm previsão constitucional, e devem receber tratamento isonômico no âmbito dos Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo. É o que estabelece o artigo 56 do Ato das Disposições Constitucionais da Constituição do Estado (“o assessoramento jurídico nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e a representação judicial das autarquias e fundações públicas serão prestados pelos atuais ocupantes de cargos e empregos públicos de advogados, assessores e assistentes jurídicos estáveis que, nos respectivos Poderes, integrarão carreiras especiais”). Por esse motivo, os assessores jurídicos não estão sujeitos à Resolução nº 219/16, uma vez que exercem atividades exclusivas da Secretaria do Tribunal de Justiça.

Mudança de nomenclatura – A nota técnica aborda todos esses aspectos, além de analisar a conveniência de conferir a assessores jurídicos a função de defesa judicial do Judiciário nos casos específicos de conflito com outros Poderes. No final, sugere a mudança do nome do cargo, que passaria a se chamar “consultor judiciário” ou “procurador judiciário”. O documento é assinado pelos advogados Ana Carolina de Camargo Clève e Pedro Henrique Gallotti Kenicke e pelo professor titular do escritório, Cèmerson Merlin Clève.

 

Confira, a seguir, os principais trechos da nota técnica.

 

Sobre a constitucionalidade da carreira

Com as promulgações da Constituição Federal de 1988 e da Constituição Estadual de 1989, a carreira de assessor jurídico do Poder Judiciário do Estado do Paraná foi recepcionada pelo novo ordenamento jurídico. As previsões ao artigo 56 do ADCT, da Constituição do Paraná, são explícitas ao garantir a existência e a manutenção da carreira.

A recepção da carreira foi confirmada via entendimento unânime do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ação direta de inconstitucionalidade nº 175: ‘Vê-se, desde logo, que pertinentemente ao assessoramento jurídico do Poder Legislativo e do Poder Judiciário, não há margem alguma para a alegação, ínsita na petição inicial, de invasão da competência natural de Procuradoria Geral do Estado. É certo que não possuindo – as Assembleias Legislativas e os Tribunais – personalidade jurídica própria, sua representação em juízo é normalmente exercida pelos procuradores do Estado. Mas têm, excepcionalmente, aqueles órgãos, quando esteja em causa a autonomia do Poder, reconhecida capacidade processual, suscetível de ser desempenhada por meio de procuradores especiais (se tanto for julgado conveniente por seus dirigentes), às quais também podem ser cometidos encargos de assessoramento jurídico das atividades técnicas e administrativas dos Poderes em questão (Assembleia e Tribunais)’.

[…] O Poder Judiciário manteve a carreira de assessor jurídico e não veio a criar outra que a pudesse substituir em suas atribuições institucionais. Pelo contrário, editou a Lei Estadual nº 16.748/2010, que reestruturou e consolidou o quadro especial superior, composto pelos cargos de provimento efetivo de assessoramento jurídico.

Como se nota, trata-se de carreira dedicada à assessoria jurídica do Poder Judiciário, criada anteriormente à promulgação da Constituição, abarcando servidores estáveis, de maneira que se manteve como exceção ao princípio da unicidade orgânica da Procuradoria Geral do Estado – situação reconhecida como constitucional pelo STF […]. Não por outro motivo, a Constituição Estadual atribui aos procuradores do Estado a consultoria jurídica exclusiva junto ao Poder Executivo (art. 124, inciso I), em nada mencionando a assessoria jurídica dos demais Poderes.

[…] Entende-se que a Constituição de 1989 reconheceu a existência, a continuidade e a conveniência da recepção dos cargos de assessores jurídicos para a administração e defesa judicial e extrajudicial do Poder Judiciário paranaense, de acordo com o art. 56 do ADCT, e esse reconhecimento foi albergado pelo Supremo Tribunal Federal na ADI nº 175/PR […]

Sobre as funções do cargo

Por toda a normativa arrolada [Lei Estadual nº 16.748/2010, Decreto Judiciário nº 391/1995, Decreto Judiciário nº 753/2011 e Decreto Judiciário nº 222/2017], percebe-se que a atribuição principal o cargo [de assessor jurídico] é assessorar, participar do controle de legalidade interno do Tribunal de Justiça e representar processualmente os interesses do Poder Judiciário. Daí por que se justifica a lotação do cargo na Secretaria do Tribunal, pois os assessores jurídicos têm a responsabilidade de emitir pareceres jurídicos, examinar atos e redigir minutas de todos os procedimentos licitatórios e contratos administrativos do Tribunal como um todo – incluindo as comarcas –, além de acompanhar e eventualmente representar o Tribunal nos procedimentos administrativos e nos processos judiciais que sejam do interesse direto do Tribunal de Justiça.

Vê-se, pois, que, de acordo com as atribuições previstas para a carreira em exame, a assessoria jurídica do Tribunal de Justiça exerce – precipuamente – autêntica atividade de consultoria jurídica no âmbito do Poder Judiciário, tal qual a Procuradoria do Estado o faz em relação ao Executivo. E, ainda, de modo excepcional, nos limites estabelecidos constitucionalmente e consoante os contornos conferidos pelo Supremo Tribunal Federal na ADI nº 175, têm os assessores jurídicos capacidade processual – a ser exercida por ‘Procuradorias Especiais’, de acordo com a conveniência da administração – para representar o órgão em juízo em determinadas circunstâncias. […] Essa possibilidade é consentânea com o princípio da separação de poderes, porquanto nada mais razoável que, quando presente conflito de interesses entre os três Poderes, a representação judicial do ente federativo não se concentre na Procuradoria Geral do Estado […].

Além disso, quanto à equiparação das atribuições do cargo de assessor jurídico com aquelas previstas para o cargo de procurador do Estado no âmbito do Poder Executivo, convém destacar que o Supremo Tribunal Federal, na oportunidade em que julgou a ADI nº 175/PR, assentou, que, da análise das atribuições da carreira de assessor jurídico, infere-se que ‘existem situações a justificar a aplicação, conforme estipula o art. 56, § 3º, do ADCT da Constituição Estadual, dos princípios da isonomia e das vedações próprias das carreiras jurídicas a que se refere o art. 135 da Constituição Federal e do art. 125, § 2º, III, da Carta Política paranaense’.

Em síntese, reconheceu o STF que, pelo conteúdo de determinadas atribuições relativas à carreira de assessor jurídico, justifica-se a incidência de isonomia remuneratória e das proibições previstas para os procuradores do Estado, a exemplo do exercício da advocacia para além das funções institucionais, uma vez que essa carreira se equipara – frisa-se – à de procurador do Estado em razão da consulta jurídica exercida perante o Poder Judiciário e das excepcionais hipóteses de representação judicial desse órgão.

As atribuições equivalentes às de procurador manifestam-se especialmente nas situações que reclamam representante ou preposto do Tribunal em questões judiciais, na atuação causídica única e exclusivamente em favor do Poder Judiciário e na representação excepcional dos interesses desse Poder quando em conflito com os interesses dos demais Poderes estaduais […], e em todos os demais casos próprios de consultoria jurídica.

Como o cargo de assessor jurídico é constitucionalmente equiparável ao de procurador do Estado e [ao] de procurador legislativo, seus detentores podem emitir pareceres jurídicos, que são manifestações opinativas próprias do órgão jurídico-consultivo do respectivo Poder onde o parecerista expende ‘apreciação técnica sobre o que lhe é submetido’.

Como se viu, o ordenamento jurídico do Estado do Paraná manteve a atribuição da elaboração de pareceres jurídicos, no âmbito de todo o Judiciário, especificamente para o cargo de assessor jurídico. O cargo é decorrente da paridade constitucional da Constituição de 1989 com o cargo de procurador do Estado e procurador legislativo. Rememore-se, nesse sentido, que o art. 4º do Decreto Judiciário nº 222/2017 reconheceu que a emissão de parecer jurídico no âmbito do Poder Judiciário paranaense é competência privativa dos assessores jurídicos, uma vez que estes ‘detêm atribuição exclusiva de prestar consultoria jurídica ao Poder Judiciário […]’.

O objeto dos pareceres emitidos pelos assessores jurídicos é amplo e abarca a totalidade dos órgãos do Poder Judiciário. Seus pontos de vista podem integrar procedimentos administrativos e mesmo tornarem-se normativos quando esgotarem toda a matéria tratada. Desse modo, sua atuação é equiparável àquela do procurador do Estado, que, emitindo pareceres jurídicos que abrangem todos os órgãos do Poder Executivo, não se confunde com eventual atuação de assessor jurídico de Secretaria de Estado. Nesse ínterim, a área de abrangência de atuação dos assessores jurídicos e os efeitos gerais e, muitas vezes, vinculantes dos seus pareceres jurídicos os distinguem da carreira de analista judiciário.

[…] O parecer jurídico deve ser obrigatoriamente elaborado por detentores de cargos que tenham como atribuição institucional prestar consultoria jurídica. No Poder Judiciário paranaense, apenas um cargo de provimento efetivo pode prestar tal serviço: o de assessor jurídico.

[…] Não existe atividade de consultoria jurídica no impulso oficial de feitos. Permiti-la seria aceitar a hipótese de que o analista [judiciário] pudesse prolatar pareceres jurídicos nos autos em favor ou desfavor das decisões ou despachos do juízo a quem auxilia. De modo que as […] previsões normativas estaduais que atribuem ao analista judiciário a atividade de elaborar pareceres estão equivocadas e merecem reforma legislativa, a fim de suprimir essas expressões.

Agindo como procurador judiciário, o assessor jurídico detém, portanto, a atribuição de elaborar pareceres jurídicos para os órgãos do Poder Judiciário paranaense, atividade incomparável com a exercida pelos demais integrantes da Secretaria do Tribunal de Justiça ou do quadro de funcionários do primeiro grau.

 

 Sobre a conveniência da carreira

O Tribunal de Justiça pode criar, manter e renovar o quadro especial superior vinculado à sua Secretaria […]. Inexistência de conflito com a Resolução n 219/16-CNJ.

[…] O Decreto Judiciário nº 222/2017 reconheceu, no art. 4º e parágrafos, que a emissão de parecer jurídico no âmbito do Poder Judiciário paranaense é competência privativa dos assessores jurídicos, uma vez que estes ‘detêm atribuição exclusiva de prestar consultoria jurídica do Poder Judiciário do Estado do Paraná’. E para a boa prestação desse serviço é assegurada a autonomia do assessor jurídico quanto ao conteúdo do parecer, tal como é assegurado aos procuradores do Estado e da Assembleia Legislativa. Nesse sentido, a consultoria jurídica prestada pelo detentor do cargo deve integrar a motivação da decisão ou do ato administrativo formulado pelo ordenador de despesas, como entende o Tribunal de Contas da União […].

Ademais, verifica-se que a normativa do Tribunal reconheceu a responsabilidade subjetiva do assessor jurídico quando ocorrente dolo, má-fé ou erro inescusável, o que será analisado no caso concreto, podendo o assessor responder pessoal e subsidiariamente pelo que foi praticado, ‘não se podendo falar em parecer apenas opinativo’ nas situações previstas especialmente no art. 38 da Lei [Federal] nº 8.666/1993, por exemplo’.

Desta feita, a conveniência de se manter o cargo de assessor jurídico atende aos princípios da eficiência, da economicidade, a eficácia e da efetividade em relação à gestão orçamentária, financeira, patrimonial e de pessoal de todo o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

Há, aqui, a preferência do respeito ao pacto federativo e à organização do Estado brasileiro, pois o ente subnacional houve por bem manter o quadro especial de servidores do Poder Judiciário para praticarem atividades de advogados públicos em nome dos interesses do próprio Poder Judiciário.

[…] [A Nota Técnica] compreende a conveniência da manutenção do cargo [de assessor jurídico] para a gestão eficiente e para o controle interno dos atos administrativos da Secretaria do Tribunal de Justiça. De resto, as singularidades das atribuições institucionais do cargo, com a atividade de representação causídica do Poder Judiciário em face dos demais Poderes do Estado e com a prestação de consultoria via pareceres jurídicos, impõem ao Tribunal de Justiça que o mantenha  no grupo ocupacional especial superior da Secretaria, a reconhecer que o cargo de assessor jurídico é constitucionalmente equiparável aos cargos de procurador do Estado e procurador legislativo.

Sobre a denominação do cargo

[…] É recomendável a alteração do nome do cargo de assessor jurídico, a fim de evitar eventual confusão futura entre suas atividades e aqueles exercidas por outros cargos. Dessa forma, tendo em vista as atribuições institucionais e o fundamento constitucional da carreira, a alteração do nome para ‘procurador judiciário’ ou ‘consultor judiciário’ harmonizaria seu regime com aqueles dos integrantes dos Poderes Legislativo e Executivo.