Nada a olho nu indica que o fenômeno acontece para além das nuvens densas ou das torrentes de chuva que se alternam em despencar sobre nossas cabeças, telhados e superfícies. Não fosse pelo noticiário ou as leituras astrológicas, sequer imaginaria todo esse magnetismo e suas consequências na vibração de nossa rotina de luzes e de sombras.

Talvez, até por essa consciência, resolveu meditar nas lembranças de circunstâncias inventadas e projetadas para acontecerem no tempo exato e precioso das realizações futuras. Ao fechar os olhos, via-o em sua mente, por vezes nítido, por vezes tão embaçado quanto o vidro da janela, pela qual espia o céu que guarda esse eclipse. E continuou desenhando seu rosto mentalmente para arquivar na memória um vislumbre qualquer do eterno contato, no conforto e aconchego de um simples afago. Na paz e no descanso de só ser… fragmentado. E morar para sempre dentro da covinha de um sorriso.

Ele viveu sempre ali, na ponta do seu dedo indicador, riscado e sublinhado, em cargas emocionais profundas. Saltado da magia de tanto querer para o capricho de existir. Até a pontinha de uma mecha de cabelos, no redemoinho definido pela perda de rumos e ao encontro dos sentidos. Semente e germinação de toda saudade.

Decorou o movimento que os lábios fazem ao pronunciar sabedoria e ao brotar dos verbos mais insignificantes do nosso vocabulário; imortalizou o balé das sobrancelhas, quando acompanham e reforçam seus pensamentos, interpretações, ênfases e obstinações. Agora,  segue cultuando os poros de seu rosto, pintas, sinais e linhas de expressão, na catedral iluminada daquela noite que engoliu o tão esperado eclipse.

 

Thea Tavares é escritora e colaboradora do blog do Zé Beto.