Previdência restrita: reforma de 2019 dificultou acesso de beneficiários de aposentadoria especial (imagem: Agência Brasil)

 

Quando a reforma da Previdência mudou as regras da aposentadoria especial, em 2019, ao incluir idade mínima para aposentaria, praticamente desvirtuou a essência do benefício. A ideia de permitir que trabalhadores se aposentassem mais cedo se devia à nocividade a que certas profissões os expõem. Aos que correm risco de vida ou de adoecimento, nada mais justo do que ser afastado do trabalho com a aposentadoria.

Ao ser atrelado requisito etário para se jubilar, esse benefício praticamente fica inutilizado. Instado para resolver esse problema, o Supremo Tribunal Federal vai analisar a inconstitucionalidade da regra que fixou idade mínima e, caso o INSS seja derrotado, a aposentadoria especial ficará como antes. O ministro Ricardo Lewandowski pediu vista e suspendeu o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade n° 6.309.

Além da idade mínima, também está na pauta do STF a análise sobre a proibição de conversão de tempo especial em tempo comum e a redução do valor da aposentadoria especial de 100% para 60% sobre o salário de benefício.

A Constituição de 1988 autorizou por mais de três décadas a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria precoce nos casos de portadores de deficiência, atividade de risco ou atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. Exemplo desta última são as pessoas que trabalham com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde ou associação desses agentes. Esses trabalhadores podem se aposentar –a depender da intensidade do risco– com 15, 20 ou 25 anos, sendo irrelevante a idade do homem ou da mulher.

Em 2019, além da necessidade de o trabalhador permanecer em área nociva, a emenda constitucional 103 instituiu idades mínimas de 60 anos, 58 anos e 55 anos para quem comprovar, respectivamente, o exercício em atividade arriscada pelo tempo de 25, 20 e 15 anos de contribuição.

Para o grande público, pode causar estranheza alguém se aposentar com apenas 15 anos de contribuição. Ou mesmo 20 ou 25 anos. A justificativa para essa excepcionalidade no sistema previdenciário é que quanto menor for o requisito de contribuição, maior será o risco de morrer ou adoecer.

A regra autoriza o segurado a “ir para casa mais cedo” para poupar sua integridade física. Só para traçar um paralelo, em Minas Gerais, na época do ciclo do ouro, a expectativa de vida de um escravo atuante na mineração era de 7 a 12 anos. Até 2019, a aposentadoria especial dos trabalhadores em atividades permanentes no subsolo de mineração subterrânea em frente de produção era de 15 anos, em razão do risco elevado de adoecimento ou morte. No entanto, a grande maioria de trabalhadores com atividade de risco só se aposenta aos 25 anos de contribuição, a exemplo de médicos, auxiliar de enfermagem, vigilantes, químicos, portuário, frentistas, metalúrgico etc. Mas a reforma acabou com essa possibilidade, na medida em que indexou a idade mínima.

Na prática, indiretamente termina exigindo que o segurado, mesmo exposto a atividades nocivas, fique mais tempo sujeito ao agente nocivo. Antes de 2019, um vigilante que começasse a trabalhar aos 20 anos de idade poderia se aposentar aos 45 anos se exercesse continuamente a atividade por 25 anos. Agora, se ele começar a exercer a atividade vigilante aos 20 anos, terá que trabalhar por 40 anos, a fim de atingir o requisito etário de 60 anos.

De 1960 a 1991, a Lei Orgânica da Previdência Social só permitia aposentadoria especial a quem tivesse ao menos 50 anos de idade. O problema é que a partir de 2019 a idade mínima de 61 anos, e 25 anos de atividade nociva, terminou exigindo que o segurado, por exemplo, ao começar a trabalhar com 20 anos de idade permaneça por 41 anos, caso atue ininterruptamente no ramo nocivo.

É verdade que a reforma previdenciária criou a regra de transição, que atenua um pouco esse cenário. O texto criou o sistema de pontos, em que a pontuação e idade variam conforme o risco (baixo, médio ou elevado). No caso do risco baixo, será necessário ter 86 pontos, dos quais no mínimo será necessário ter 25 anos de atividade especial e 61 anos de idade. O risco médio exige 76 pontos (20 anos nocivos + 56 anos de idade) e o elevado 66 pontos (15 anos nocivos + 51 anos de idade).

A reforma previdenciária faz com que o trabalhador se sujeite por mais tempo ao risco, potencializando que ele morra ou adoeça antes mesmo de ter acesso ao benefício previdenciário. Com a retomada do julgamento da ação direta de inconstitucionalidade, está nas mãos do Supremo a correção dessa distorção que foi impingida na Constituição Federal.

 

Rômulo Saraiva é advogado especialista em Previdência Social, professor, autor do livro Fraude nos Fundos de Pensão e mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP.