Povos indígenas: procuradores defendem instalação de uma comissão da verdade (foto: Agência Brasil / reprodução)

 

O Ministério Público Federal (MPF), por meio do procurador regional da República Marlon Weichert e do procurador da República Edmundo Antonio Dias, expediu Nota Técnica sobre a necessidade da instituição de uma Comissão Nacional Indígena da Verdade (CNIV). O documento reforça que esse processo deve se dar com a participação e o protagonismo dos povos indígenas de nosso país, de acordo com o paradigma emancipatório estabelecido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Também é fundamental, diz a Nota Técnica, que sejam estabelecidos os objetivos específicos da CNIV e a extensão do mandato que receberá (especialmente o período histórico que será objeto de investigação), o modo de composição, seus poderes e tempo de atuação.

A criação de uma Comissão Nacional Indígena da Verdade foi recomendada no relatório final dos trabalhos desenvolvidos pela Comissão Nacional da Verdade (CNV). Trata-se do marco inicial de um processo reparatório amplo e de caráter coletivo aos povos indígenas, pelo histórico de violações a seus direitos. Recomendação de teor similar foi formulada pela Comissão Estadual da Verdade em Minas Gerais (Covemg). Naquela oportunidade, a CNV destacou que os “povos indígenas no Brasil sofreram graves violações de seus direitos humanos no período entre 1946 e 1988”, as quais constituíram violações “sistêmicas, na medida em que resultam diretamente de políticas estruturais de Estado, que responde por elas, tanto por suas ações diretas quanto pelas suas omissões”.

A CNV estimou que ao menos 8.350 indígenas foram mortos no período investigado, mas que essa, provavelmente, é apenas uma pequena parcela das violações de direitos perpetradas. “O número real de indígenas mortos no período deve ser exponencialmente maior, uma vez que apenas uma parcela muito restrita dos povos indígenas afetados foi analisada, e que há casos em que a quantidade de mortos é alta o bastante para desencorajar estimativas.”

Audiência pública – No último dia 27 de outubro, o MPF realizou audiência pública, em Belo Horizonte (MG), com o objetivo de recolher informações para a implementação das recomendações relativas aos povos indígenas, especialmente sobre aquela pertinente à criação de uma Comissão Nacional Indígena da Verdade (CNIV). Participaram do evento, presencialmente ou via plataforma virtual, indígenas de diversas etnias e regiões do país, bem como representantes da sociedade civil. Durante as mais de seis horas de trabalho, os participantes deram testemunho sobre violações perpetradas contra os povos indígenas durante a ditadura militar, ressaltaram a importância da criação de uma Comissão Nacional Indígena da Verdade e contribuíram com sugestões sobre os objetivos, a metodologia e a forma de composição da comissão objeto das recomendações da CNV e da Covemg.

Desde então, os debates voltados à criação da CNIV vêm se ampliando, a partir da participação de representantes dos povos indígenas, a que se somou o interesse de parlamentares, da academia e de diversos setores da sociedade civil. “A confirmação da criação do Ministério dos Povos Originários, pelo governo federal que tomará posse em 1º de janeiro de 2023, traz a oportunidade para o aprofundamento da proposta e da incorporação da instituição de uma Comissão Nacional Indígena da Verdade no plano de ação da nova gestão. Destaca-se, em especial, o agravamento, nos últimos quatro anos, da situação de violações aos direitos dos povos indígenas, por ação do Estado e de agentes privados, diante da leniência governamental. Esse contexto recente de ataques aos povos indígenas é indissociável do histórico de atentados aos direitos das populações originárias ocorridos durante a ditadura militar”, ressaltam os procuradores.

“É preciso que haja amplo e público conhecimento das violações de direitos perpetradas contra os povos indígenas no Brasil, e sob quais condições sociais, políticas e econômicas tais violações aconteceram, de forma a se construir políticas reparatórias e reformas institucionais aptas a garantir os direitos dos povos originários no país. O trabalho da CNIV há de ser essencial para a construção dos alicerces do processo de efetivação dos direitos dos povos indígenas no país e das reparações a que fazem jus, incluindo o reconhecimento de seus territórios. Finalmente, a proposta tem o potencial de orientar a redefinição da estratégia pedagógica necessária para fazer com que o restante da sociedade brasileira compreenda a multiculturalidade da população brasileira e a necessidade de permanente respeito aos direitos de todos”, afirma a Nota Técnica.

 

Acesse, aqui, a Nota Técnica do MPF.