Com todo o respeito às autoridades contempladas, a portaria do Ministério da Economia que permite aos servidores públicos, civis e militares, que, uma vez aposentados ou reservistas, venham a exercer cargos em comissão, receber acima do teto constitucional, não é apenas escandalosa e obscena como, e sobretudo, inconstitucional.

Atualmente, o teto limite é de R$ 39,2 mil. Com a nova regra, o presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, deverá ter um “aumento” de R$ 2,3 mil por mês e o vice Hamilton Mourão, de R$ 24 mil mensais – fora o fato de que já não pagam casa, comida, transporte, segurança, assistência médica… Generais que atuam no governo também serão beneficiados. O ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, teve em fevereiro, de acordo com os últimos dados disponíveis no Portal da Transparência, um abate-teto de R$ 27.070,24, valor que poderá receber a mais mensalmente com a nova regra. Já o ministro da Defesa, Braga Netto, “perdeu” com o abate-teto R$ 22.759,39 em fevereiro.

Segundo a portaria, publicada no dia 30 de abril, o limite salarial deve ser calculado separadamente sobre cada remuneração recebida cumulativamente por servidores civis e militares e beneficiários de pensões. O pior é que o ministro da Economia, aquele que se recusou a oferecer um salário mínimo maior do que R$ 1.147 em 2022 para a plebe; que fez o capitão-presidente congelar o salário dos servidores públicos até o final de 2021; e que torce o nariz para um auxílio emergencial, durante a pandemia, de quatro parcelas de no máximo R$ 375, defende o escárnio.
É que para o pessoal da casa, a gente nossa, a coisa é diferente: “Não aumentamos ainda o que acho que tem que ser aumentado, que é o teto da carreira. Nós devíamos ser mais meritocráticos nisso”, argumentou o ministro sem sequer enrubescer. Segundo a avaliação de s. exª., houve uma disparada de salários no setor público nos últimos anos que não satisfez os requisitos da meritocracia.

Ah é, barnabé?! Mas se a justificativa é a tal meritocracia, essa gente que o cerca deveria ser a última a ser beneficiada. Além do mais, a medida revela-se inteiramente inconstitucional. A Constituição Federal de 1988, no art. 37, inciso XI, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, de 19.12.2003, estabelece que “a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos”. Quer dizer, o limite é claro para salários, subsídios ou “outra espécie remuneratória”, “incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza”, “percebidos cumulativamente ou não”.

Insatisfeitos com a situação, Bolsonaro & cia. querem que cada remuneração tenha um teto próprio. Só que, para isso, precisariam, antes, alterar o texto constitucional. Mas não através de portaria ministerial. Acho que essa é a primeira vez que isso acontece no mundo.

O único que disse estar constrangido com a manobra palaciana – ou fingiu estar – foi o vice-presidente Mourão, que afirmou ao portal UOL que “não é ético” receber acima do teto e que apesar da legalidade da medida, não é correta “no momento” atual do país. O que ele fará? Ainda não sabe. “Não sei se eu doo para uma instituição, doo para o meu partido. Vou pensar no que eu vou fazer. Estou pensando. Quando eu receber… Por enquanto, ainda não pingou nada na minha conta”, declarou. Há sinceridade nisso?… Talvez haja na opinião de outro general, o ex-ministro da Secretaria de Governo, hoje persona non grata no Palácio do Planalto, Carlos Eduardo dos Santos Lima. Para ele, o aumento é “imoral” e uma “falta de vergonha”.
(Texto também publicado nos blogs do jornalista Zé Beto e Solda Cáustico)

 


Célio Heitor Guimarães é jornalista e consultor jurídico aposentado.