Por nunca ter trabalhado no serviço público, ao contrário da esmagadora maioria dos literatos de seu tempo (e não só dos que surgiram depois, também), João do Rio teve de ganhar a vida com o jornalismo. Ao longo de uma carreira que durou 22 anos, publicou milhares de textos em jornais e revistas, quase diariamente: reportagens, contos, crônicas, romances em folhetim, conferências, colunismo social, crítica de teatro e de artes plásticas, usando um chorrilho de pseudônimos e heterônimos para retratar e satirizar o país que se modernizava no início do século 20.

João do Rio é o homenageado da Flip e de um ciclo de palestras convocado para o Centro de Pesquisa e Formação do Sesc, em São Paulo. Recém-lançado pela editora Chão, com organização de Juliana Bulgarelli, “O Fim do Maxixe” reúne 31 crônicas que saíram entre 1903 e 1918 e permaneciam inéditas em livro, confirmando o pioneirismo do autor no gênero. Indo além de José de Alencar e Machado de Assis, que comentavam as atualidades olhando de seus gabinetes, meteu-se nas ruas para conversar com as pessoas. E que pessoas! Que ruas!

Homem de personalidade complexa, cheio de máscaras e disfarces, parecia encontrar-se sempre numa encruzilhada. Gordo, vestia-se como um dândi: chapéu coco, fraques extravagantes, coletes coloridos, camisas de seda de 200 mil réis (uma fortuna na época), calças de caxemira, diamante espetado na gravata plastrom, botas de pelica, charuto à boca, banhado em água de colônia.

Enroupado e perfumado, penetrava nos becos e ladeiras do Castelo e da Saúde, na praia do Peixe, nos terreiros de candomblé, nos cortiços, nos hotéis suspeitos, nas favelas nascentes, nos presídios, nos covis de ópio. Estava em busca de seus personagens: mendigos, drogados, tatuadores, estivadores, macumbeiros, foliões, pintores de rua, caçadores de ratos, papa-defuntos, videntes.

Com a mesma desenvoltura, frequentava os salões de milionários, os “five o’clock teas” e as altas rodas da política, observando-os de maneira crítica e irônica. João do Rio dizia que lhe interessava investigar apenas “a gente de cima e a canalha”. Neste aspecto, foi um escritor único no Brasil.