Palácio do Planalto: com Medida Provisória, governo dá “carta branca” para ilegalidades cometidas antes da edição da norma
A Medida Provisória 927, que altera os contratos de trabalho por causa da pandemia do novo coronavírus, prevê a retroação das medidas anunciadas, o que é inconstitucional. O artigo 36 considera “convalidadas as medidas trabalhistas adotadas por empregadores que não contrariem o disposto nesta Medida Provisória, tomadas no período dos 30 dia anteriores à data de entrada em vigor desta Medida Provisória”.
Na verdade, são três os problemas com este único parágrafo. Primeiro, o ordenamento pátrio não aceita conceder caráter retroativo a norma legal. Segundo, o período de 30 dias de retroação alcança dias em que ainda não tinha sido registrado o primeiro caso de contaminação por coronavírus no Brasil. E, por fim, a expressão “medidas trabalhistas” dá margem para conceder um “perdão” generalizado por toda e qualquer irregularidade cometida pelo empregador no mês anterior à edição da medida. Os três pontos foram apontados pelo advogado Rafael Carneiro em uma ação direta de inconstitucionalidade apresentada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) no Supremo Tribunal Federal.
Retroação – A possibilidade de retroação dos efeitos da medida fere o artigo 5º, XXXVI, que diz que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. “Com efeito, a medida retira integralmente a segurança jurídica das relações de trabalho, concedendo ao empregador um “perdão” generalizado por toda e qualquer irregularidade cometida no último mês”, aponta o advogado na ADI. Em nota técnica, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também já tinha chamado a atenção para o mesmo ponto, conforme aponta outra ADI, ajuizada pela Rede. Para a OAB, trata-se de “uma aberrante tentativa de subtrair direitos adquiridos e atos jurídicos perfeitos da esfera do escrutínio judicial”.
Início da pandemia – O primeiro caso de Covid-19 no Brasil foi confirmado em 25 de fevereiro deste ano. A Medida Provisória foi editada em 22 de março. “Logo, além de o prazo de 30 dias previsto na MP contemplar período em que sequer havia confirmação de casos do novo coronavírus no País, não é razoável supor que os empregadores implementaram medidas de resposta à pandemia imediatamente após a chegada da doença ao Brasil”, mostra Carneiro. Ou seja, o prazo estipulado na MP anistia irregularidades trabalhistas ocorridas fora do contexto da pandemia (que, aliás, foi decretada pela Organização Mundial da Saúde em 11 de março).
Expressão genérica – O terceiro problema apontado na ADI é o uso da expressão vaga “medidas trabalhistas”, que “pode abranger qualquer aspecto da relação de trabalho, desde férias, jornada extraordinária, editadas de segurança e saúde ocupacional”, o que impede trabalhadores de buscar a tutela judicial de seus direitos, ainda que esses não tenham relação com a crise de saúde vigente.