Fechou a porta sem perceber a máscara esquecida no aparador da sala. Vencidos três lances de escadas, estava na rua, enfim. Caminhava despreocupadamente, livre de compromissos. No corpo, um torpor antigo: o personagem da história devorada por seus olhos uma, duas, dez vezes, o personagem não lhe pertence. Nada que possa alterar o enredo a que folhas desconhecidas deram abrigo até que a curiosidade das mãos – as suas – revirassem, embaralhando-o, o passado contido ali. Tudo alheio, o não-ser, o vazio. E os passos seguintes, monótonos e previsíveis, a apontar o caminho de volta.

O reabrir da porta, a entrada sempre a mesma, a água atirada no rosto, disfarce para lágrimas recorrentes. A máscara esquecida, o perigo esquecido, o pouco a fazer além da espera. O fio fino que separa o mundo dos vivos do resto dos mundos. Fio que estica, que se olha e se olha e se olha.

 

Mário Montanha Teixeira Filho é consultor jurídico aposentado.