Nikole Gouveia e Lucas Schaffa: música em estado puro na Ilha do Mel (foto: Sonia Maschke)
Há uma diva da música em Curitiba – e pouca gente conhece. Está escondida e talvez fique assim se os astros não entrarem num entendimento e a colocarem no imenso palco dos grandes artistas do Brasil. O nome é Nikole Gouveia. No final de semana, a mãe natureza a reverenciou no Festival de Jazz da Ilha do Mel. Como? Na sexta, chuva, neblina, frio. O palquinho principal estava ali na noite, sendo varrido por um vento gelado. No dia seguinte, nem um pingo caiu do céu, o sol abriu, ela subiu ao palco e fez-se o que ela sabe fazer – e não é milagre. Diante de um respeitável público, Nikole cantou – simplesmente isso: cantou. Coincidência ou não, o escriba aqui estava numa casa em frente à pracinha da apresentação, trabalhando no velho laptop de guerra. Quando me dei conta aquela voz tomou conta da casa, da mente, do mundo, de tudo – e me senti como o sujeito que atravessou uma portinha de uma rua escura de Nova York e deparou com Billie Holyday soltando a alma para quem tem sensibilidade.
Não, a voz dessa menina não transita na sintonia da sofrida Billie. Quando bota pra quebrar, passa por Janis Joplin, rascante, suaviza afinada como Ella Fitzgerald, lembra Elis Regina na postura de entrega no palco, e chega a Elza Soares. Tudo misturado, batido, coado e servido como uma coisa única. Saí da casa e fui para a rua de areia ver de perto e ela me pareceu uma mulher de quinze metros. O que cantou arrastou todo aquele povo para uma overdose sonora e, sempre com respeito aos outros músicos e cantoras, foi a única a levar todos ao delírio.
Então veio a surpresa. Algumas horas mais tarde, naquela casa de madeira pintada de azul, ela estava ali, do outro lado da mesa, junto com o marido, músico. Então a ficha caiu porque o casal estava hospedado desde o dia anterior no quarto ao lado do meu. Podem acreditar. Então lhe contei uma experiência parecida que aconteceu em Curitiba, anos atrás, quando Elza Soares se apresentou na da Sociedade Vasco da Gama. Fui aos bastidores antes do show para conhecê-la. Encontrei uma senhorinha sentada numa cadeira, encurvada, parecendo com frio, etc. Saí dali e fui para a frente do palco. De repente, quem entrou sob os holofotes não era aquela outra. Era uma mulher espetacular, roupa transparente, voz de pura alma, principalmente quando cantou “Meu Guri” à capela.
Pois diante de mim, no sábado, estava alguém que repetiu o raro momento mágico. Agradeci. Seu repertório de músicas cantadas em inglês (ela pode cantar o que quiser, pois há uma entrega natural aos deuses), soube depois, também tem músicas brasileiras. Brinquei dizendo que um dia queria ouvir Undiú, do João Gilberto. Ela riu. Agora, na sexta (1º de setembro), poderá ser ouvida na 6ª edição do Ses Salines Jazz Festival (ver cartaz abaixo). Quem sabe ali a Nikole Gouveia seja premiada com o que merece: o passaporte para cantar para o Brasil e o mundo, como diva que é – e todos merecem.