A direção da Receita Federal divulgou um documento com “Perguntas e Respostas” sobre a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), proposta pelo Governo Federal em julho de 2020 como [sendo a] sua Reforma Tributária. Nele, o órgão confirma aquilo que todos já imaginavam: os livros vão deixar de ter isenção fiscal, e o mercado editorial vai pagar uma alíquota de 12% sobre os produtos, caso o texto seja aprovado da forma que está. O projeto de lei entregue ao Congresso Nacional pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, unifica três impostos — PIS, Pasep e Cofins — e cria um Imposto de Valor Agregado (IVA), com uma alíquota de 12%. A Constituição Federal de 1988 proíbe a União, estados e municípios de instituírem impostos sobre livros, jornais, periódicos e papel destinado à impressão. Na época, havia dúvidas se o CBS atingiria o mercado editorial, o que foi confirmado depois.

A Receita utiliza um argumento elitista para defender o fim da isenção ao mercado livreiro. “De acordo com dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2019 (POF), famílias com renda de até 2 salários mínimos não consomem livros não didáticos, e a maior parte desses livros são consumidos pelas famílias com renda superior a 10 salários mínimos”, defende. Ora, se os pobres não leem, devemos aumentar a carga tributária sobre o produto ou incentivar a mudança de cultura? E mais, muitos já não consomem os livros pelo preço praticado. Entre gastar 50 reais em um livro e 50 reais no mercado (esse valor não enche uma cesta), a opção da pessoa mais pobre é óbvia: vai comprar comida. Entidades já alertam que, caso a isenção acabe, o valor será repassado ao consumidor final.

Logo após o envio do projeto, Guedes foi ao Congresso explicar a proposta. “Uma coisa é você focalizar a ajuda. Outra coisa é você, a título de ajudar os mais pobres, na verdade, isentar gente que pode pagar”, disse em audiência no Congresso Nacional no dia 5 de agosto. “Num primeiro momento, quando fizeram o auxílio emergencial, estavam [os pobres] mais preocupados em sobreviver do que em frequentar as livrarias que nós frequentamos”, disse na ocasião. Guedes já mostrou a quantidade de livros de sua biblioteca. A União Brasileira de Escritores (UBE) se manifestou, ainda em 2020, e é contrária ao projeto. “A maior prejudicada pela inoportuna e anacrônica tributação seria uma pátria chamada Brasil, que somente estará de fato acima de tudo se não transformar o conhecimento em privilégio apenas da elite”, alertou a entidade.

Não é porque a parte mais pobre da população não consome livros que se deve dificultar ainda mais seu acesso. Sabemos que somente a educação é o que pode mudar a realidade desigual do nosso país, e, quanto a isso, a proposta também afeta os livros didáticos. A Receita também não vê problemas nisso. “No caso dos livros didáticos, são itens comprados e entregues pelo setor público”, afirma o órgão em retorno ao jornal O Estado de S.Paulo.

A Receita também diz que o valor a ser arrecadado com a taxação poderá ser utilizado para programas sociais. “Dada a escassez dos recursos públicos, a tributação dos livros permitirá que o dinheiro arrecadado possa ser utilizado em políticas focalizadas, assim como é o caso dos medicamentos, da saúde e da educação no âmbito da CBS”, finaliza. Será que o valor a ser arrecadado faria diferença no bolo tributário? Ao taxar o mercado editorial, o Governo quer uma Nação ignorante, sem senso crítico, em que apenas os ricos, as elites, é que poderão ter acesso ao conhecimento. De acordo com a edição mais recente do Instituto Pró-Livro, de 2016, cerca de 44% da população não é leitora. E, para aqueles que leem, a média de leitura é de 2,43 livros/ano. Bolsonaro quer piorar esses números.

“A singela demonstração da estupidez humana. Nada anormal para nosso momento histórico. Vivemos a época da vitória da barbárie, da negação, da desumanização. Os pobres não somente devem permanecer na servidão, mas jamais conquistar a consciência de que são servos”, afirma Emerson Gabardo, professor da Universidade Federal do Paraná. “Se os livros não são acessíveis (mesmo com a não tributação), então este problema deve ser combatido, e não ‘naturalizado’. A tributação de livros, ainda mais com esta justificativa, é algo deplorável e só cogitável em razão da enorme decadência política e cultural que vivemos”, destaca.

Mais uma vez, o Governo Federal se mostra desconectado com a realidade. Na verdade, é justamente este o objetivo: que os pobres continuem pobres, e os ricos cada vez mais ricos. Fizesse algum sentido o argumento da Receita e do Executivo de que a taxação dos livros atingiria a elite, eles também defenderiam a tributação das grandes fortunas, o que não acontece.

 

Com informações do Sindifisco / DS Curitiba.