Uma questão polêmica: futuro do povo Xokleng e das terras indígenas vai ser definido pelo STF (foto: Cimi / reprodução)

 

Um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes suspendeu, no dia 15 de setembro, o julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre a utilização do marco temporal na demarcação de terras indígenas. Segundo essa tese, os indígenas têm direito somente às terras que ocupavam na data da promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988.

Até a interrupção do julgamento, só haviam votado o relator, ministro Edson Fachin, contra o marco temporal, e o ministro Nunes Marques, a favor. A decisão do STF era uma das mais aguardadas deste segundo semestre porque envolve, de um lado, os defensores da causa indígena e, de outro, setores do agronegócio que previam prejuízos, não comprovados, com a fixação de outra tese que não fosse o marco temporal.

Ao contrário de Fachin, no julgamento desta terça-feira, sendo o primeiro a votar, Nunes Marques se colocou a favor do marco temporal. Para ele, a fixação de um prazo para demarcação das terras indígenas mostra que a Constituição de 1988, no seu artigo 67, deixou claro que o parlamento pretendeu encerrar eventuais discussões sobre o assunto. “Uma teoria que defenda que os limites das terras estão sujeitos a um processo permanente de recuperação de posse em razão de um esbulho ancestral abre espaço para conflitos de toda ordem sem que haja horizonte de pacificação”, disse ele. E acrescentou: “a propriedade privada é elemento fundamental das sociedades capitalistas, como é a brasileira atual”. “A insegurança sobre esse direito é sempre causa de grande desassossego e de retração de investimentos.”

Segundo ele, deveria ser fixada a seguinte tese: “os direitos territoriais indígenas constituem direito fundamental desses povos e se concretizam no direito sobre as terras que tradicionalmente ocupam sobre os seguintes pressupostos”. Para ele, a posse tradicional indígena é distinta da posse civil, consistindo na ocupação das terras habitadas pelos índios em caráter permanente das utilizadas para suas atividades produtivas, das imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessárias ao seu bem-estar e das indispensáveis à sua reprodução física e cultural, segundo os costumes e tradições que lhe são próprios, nos termos do § 1º do art. 231 do texto constitucional.

Anteriormente, ao proferir seu voto, o ministro Fachin afastou a tese defendida pelos que são contrários à causa indígena, no sentido de que o julgamento do caso Raposa Serra do Sol, em 2009, teria criado precedente para casos semelhantes. Na ocasião, o STF entendeu que as populações indígenas tinham direito às terras que ocupavam na data da promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988, ou seja, o marco temporal que agora está em discussão. “É preciso que se reconheça que a decisão tomada na Pet nº 3.388 (caso Raposa Serra do Sol), longe de obter a pacificação propugnada, acarretou como consequência verdadeira paralisação das demarcações de terras indígenas no País, […] com acirramento dos conflitos e piora sensível da qualidade de vida dos índios no Brasil”, diz o ministro em seu voto. “Muito embora decisão tenha a eficácia de coisa julgada material em relação à demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, ela não incide automaticamente às demais demarcações de áreas de ocupação tradicional indígena no país”, disse o ministro.

Além disso, segundo ele, “dizer que Raposa Serra do Sol é um precedente para toda a questão indígena é inviabilizar as demais etnias indígenas. É dizer que a solução dada para os Macuxi é a mesma dada para Guaranis. Para os Xokleng, seria a mesma para os Pataxó. Só faz essa ordem de compreensão, com todo o respeito, quem chama todos de ‘índios’, esquecendo das mais de 270 línguas que formam a cultura brasileira. E somente quem pacifica os diferentes e as distintas etnias pode dizer que a solução tem que ser a mesma sempre. Quem não vê a diferença não promove a igualdade”.

O julgamento foi acompanhado com atenção pelo presidente Jair Bolsonaro. Horas antes de o STF retomar a discussão sobre o tema, ele repetiu o que já havia dito em live na semana passada. “Se esse novo marco temporal passar a existir, caso o Supremo assim entenda, será um duro golpe no nosso agronegócio, com repercussões internas quase catastróficas, mas também lá para fora”, afirmou, em cerimônia no Palácio do Planalto.

O julgamento havia sido interrompido no Plenário virtual do STF no dia 11 de junho, quando o ministro Alexandre de Moraes pediu destaque, e retomado em 26 de agosto no plenário presencial ou telepresencial. O relator do caso, ministro Edson Fachin, disse em seu voto que “a proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que [os indígenas] tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 5 de outubro de 1988 [data da promulgação da Constituição], porquanto não há fundamento no estabelecimento de qualquer marco temporal”.

O processo trata de uma ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ, onde também vivem indígenas Guarani e Kaingang.