Imagem – reprodução (Unifesp)
Com o advento da pandemia causada pelo novo (agora já nem tanto) coronavírus, o Poder Judiciário se viu obrigado a adotar atitudes como a suspensão de prazos e de audiências presenciais e outras, como um “freio de arrumação”, palavra usada aqui na Bahia para definir decisões súbitas, porém necessárias, a fim de colocar a situação “em ordem” e ter um panorama melhor do porvir. “Quase” foi preciso parar completamente as audiências. “Quase”, pois houve um segmento que continuou a acontecer, inclusive autorizada, na Justiça do Trabalho, a forma pré-processual: as audiências online de conciliação no Cejusc.
No Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, órgão em que atuo, por exemplo, é possível visualizar, em sua página na internet, a seguinte notícia (atualizada em 24 de abril): “Conciliações telepresenciais vão priorizar o atendimento ao trabalhador em situação de desemprego, o saque ao FGTS e o acesso ao seguro-desemprego” (grifo da autora).
Acordos em sessões online de conciliação continuaram a ser realizados, mesmo sem a presença das partes, mas presentes seus advogados, devidamente munidos de instrumentos de procuração, habilitando-os a representar seus clientes. É a chamada ODR (Online Dispute Resolution), na espécie conciliação e mediação online, por videoconferência, cuja possibilidade já existia muito antes de o novo (?) coronavírus fazer seu estrago por estas bandas tropicais, mas que era utilizada apenas extraordinariamente. Embora diferente da conciliação e mediação presenciais (ou F2F, como se diz no jargão técnico), a espécie online por videoconferência tem se mostrado eficaz e com resultados positivos, inclusive durante a pandemia, na forma de acordos sendo celebrados e homologados, ou permitindo uma melhor comunicação e compreensão da disputa pelas partes e seus patronos. A disposição das pessoas envolvidas em participar dessas audiências com o uso de meios telemáticos, com raras exceções, é grande, viabilizando a regular tramitação do processo, de forma célere e eficaz e a continuidade do exercício da jurisdição.
Contrariamente, brotam medidas administrativas, petições e mandados de segurança objetivando a suspensão de audiências de instrução no formato telepresencial. Argumentam os advogados, entre outros motivos, com a insegurança do sistema, que pode permitir o “tráfico” de informações ou a fraude nos depoimentos, a dificuldade técnica enfrentada quando se trata de ouvir partes e testemunhas (em especial os que possuem condição financeira limitada, que não podem arcar com banda de internet que suporte a conexão por vídeo), não sendo recomendada a “aglomeração” de todos nos escritórios de advocacia, que também não seriam territórios “neutros”.
Por outro lado, o formato online das audiências de instrução também pode trazer algumas vantagens, como o ambiente “neutro” da internet, o que evita que a parte ou a testemunha se sintam intimidadas por estarem na Justiça, a economia de custos quanto ao deslocamento e tempo das pessoas envolvidas, a possibilidade de se colher depoimento de quem se encontra em localidade distinta ou mesmo no exterior, o combate à transmissão do coronavírus e outras doenças.
O que fazer? Aguardar a retomada das audiências presenciais, enquanto se corre o risco do perecimento do direito pela demora de uma solução?
Em negociação, que é a forma adequada de resolução de disputas, autocompositiva, em que as partes tentam encontrar, por si próprias e sem a ajuda de um terceiro, uma forma de solucionar o conflito, existem basicamente dois estilos de negociador: o competitivo, que negocia com base em posições, sem fornecer informação, com o objetivo de sempre “ganhar” o jogo; e o colaborativo, ou cooperativo, que busca soluções mais voltadas aos interesses de cada parte, em que sejam atendidas as pretensões de ambos, observados os limites de um e outro. Ao se transplantar essa noção para o litígio, facilmente se constata que o espírito competitivo é o dominante, inclusive valorizado, em que prevalece a noção de que “advogado bom é o combativo, ‘pitbull’, briguento”. Olvida-se, com isso, de se adotar um comportamento colaborativo, em que não há um vencedor e um vencido, mas ambos, de comum acordo, resolvem suas controvérsias. Se é possível se chegar a um acordo em uma negociação competitiva, baseada apenas em posições, também é possível a adoção de um estilo colaborativo no litígio, sem ceder a outra parte o direito material defendido. De que forma? Mediante o negócio jurídico processual, cuja possibilidade já se encontra prevista na legislação — artigo 190 do Código de Processo Civil (cláusula geral de negociação processual).
Mediante a adoção de um estilo mais colaborativo, ou cooperativo, poderão os advogados realizar negócios jurídicos processuais para o estabelecimento de regras a respeito da audiência de instrução telepresencial, mesmo na Justiça do Trabalho, haja vista que a Instrução Normativa do Tribunal Superior do Trabalho nº 39, editada pela Resolução 203, de 15 de março de 2016, apesar de dispor que o artigo 190 do CPC não se aplicaria ao Processo do Trabalho, contém disposições de caráter meramente “orientativo”, e não “vinculativo”, conforme interpretação conferida pelo próprio TST, o que levou, inclusive, a Associação Nacional de Magistrados Trabalhistas (Anamatra) a requerer a declaração de perda do objeto da ADI 5.516, então ajuizada (dados colhidos junto àquela associação, por troca de emails, em maio de 2020).
Assim como não deve haver um único meio de resolução de disputas que possa resolver todas as controvérsias, mas, sim, meios “adequados”ou “apropriados”, no sistema visualizado por Frank Sander na década de 70, também os conteúdos dos acordos processuais podem ser diversificados, aqueles que melhor atendam aos interesses das partes ao tratarem do procedimento das audiências de instrução. Até porque não se sabe como será o futuro da convivência entre as audiências na Justiça e a Covid-19. A comunidade jurídica e os operadores do Direito podem estar perdendo uma excelente oportunidade de traçar, por si próprios, novas e mais colaborativas regras de ordem processual e que atendam mais diretamente a seus interesses.
Doroteia Silva de Azevedo Mota é juíza titular da 30ª Vara do Trabalho de Salvador e professora em cursos de pós-graduação, de mediação e em escolas judiciais.