O movimento sindical brasileiro passa por um grande desafio no enfrentamento das dificuldades vividas pelos trabalhadores durante a pandemia da Covid-19. Existem diversas pautas de luta e mobilização, como, por exemplo, os temas relacionados ao desemprego, as negociações de demissões, jornada de trabalho, o estabelecimento dos protocolos de segurança em relação à doença pandêmica, a vacinação e o planejamento do retorno ao trabalho. Mas o tema da Covid-19, em si, aponta para aspectos relevantes em relação a saúde do trabalhador.
Desde o início da pandemia, pesquisadores brasileiros indicaram a necessidade da participação dos trabalhadores e de entidades sindicais na elaboração dos protocolos sobre as condições dos locais de trabalho, entre outras medidas. No mês de maio deste ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), de modo conjunto, publicaram o documento Preventing and mitigating Covid-19 at work. Esse documento incorpora a premissa defendida por pesquisadores brasileiros, uma diretriz que aponta para a necessidade de participação dos sindicatos de trabalhadores na elaboração do planejamento para prevenção e mitigação da transmissão da Covid-19 no trabalho, e pode ser um ponto de apoio, uma referência no combate à doença.
No Brasil, o governo federal vai na contramão do mundo, neste e em quase todos os temas. O Decreto nº 10.410/2020 retirou dos sindicatos parte do poder de fiscalização das empresas. Entretanto, a Lei nº 8.213/1991, no seu artigo 19, impõe que o sindicato participe da fiscalização da segurança do trabalho. O artigo 22 da Lei nº 8.213/1991 estabelece que os acidentes de trabalho devem ser comunicados pelas empresas aos sindicatos. Caso a empresa não emita a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), cabe ao sindicato fazer isso, seguindo os trâmites da Portaria SEPRT/ME Nº 4.334/2021. Entretanto, surge uma polêmica sobre se a Covid-19 seria ou não uma doença relacionada ao trabalho. O governo federal publicou a Medida Provisória (MP) nº 927/2020, que dizia, no seu artigo 29, que “os casos de contaminação pelo coronavírus (Covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal”.
Esse dispositivo teve eficácia suspensa pelo STF, por meio da ADI-6342. Posteriormente, toda a MP caducou. Mas o debate sobre a caracterização de uma doença relacionada ao trabalho segue relevante. O voto vencedor foi proferido pelo ministro Alexandre de Moraes, que constatou que a redação do artigo impunha ao trabalhador o ônus da prova. Prevaleceu a interpretação segundo a qual, consoante com o artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal, a responsabilidade por acidente de trabalho pode ser objetiva.
Tanto no referido documento conjunto da OIT e da OMS como em diversas outras normas internacionais, como as normas da Occupational Safety and Health Administration (OSHA), existe uma gradação de riscos. Tal gradação toma em conta a realidade do ambiente, a organização e natureza do trabalho, além da atividade real executada pelos trabalhadores. Trabalhadores que atuam em hospitais, segundo o manual, possuem alto, ou muito alto, risco de exposição à Covid-19.
Mesmo aquelas pessoas que vão trabalhar em local onde ficam isoladas e seguem determinados protocolos estão expostas ao risco de serem contaminadas pelo agente etiológico da doença no exercício de seu trabalho, porque as medidas preventivas para mitigar a exposição às situações de risco que contribuam com a transmissão do vírus são importantes e necessárias, mas não suficientes. Portanto, a constatação da Covid-19 como doença relacionada ao trabalho é uma responsabilidade objetiva que se impõe à patronal.
Assim, sempre que a empresa não emitir a CAT, o sindicato pode emiti-la. O artigo 22 da Lei nº 8.213/1991 estabelece que os acidentes de trabalho devem ser comunicados pelas empresas aos sindicatos. A fundamentação conceitual para o reconhecimento da Covid-19 como doença relacionada ao trabalho e a correspondente emissão da CAT pelo empregador têm apoio nos artigos 19, 20, 21 e 21–A da Lei nº 8.213/1991. As pessoas que sejam confirmadas com Covid-19 devem ser isoladas, podendo fazer jus à estabilidade acidentária prevista no artigo 118 da Lei nº 8.213/1991, dependendo do tempo de afastamento.
É dever e obrigação das empresas garantir a testagem de todos os seus trabalhadores. Principalmente empresas que lidam com o público. Da mesma forma, sempre que ocorrerem casos confirmados dentro de um local de trabalho, todos que tenham tido contato com aqueles que apresentaram a doença devem ser testados para monitoramento. É importante ainda que as empresas façam testagens de detecção do vírus (RT-PCR ou similar) semanalmente, mesmo nos trabalhadores sem sintomas. Os especialistas orientam que a amostragem tem que obedecer a critérios como setores e mapeamento da movimentação dos trabalhadores, de forma que se contemple 25% do contingente total a cada semana. Com isso, pode-se ter um quadro epidemiológico mais claro da empresa. Sugere-se, ainda, que o SESMT apresente um plano de vigilância em saúde, a ser submetido aos órgãos de vigilância do Sistema Único de Saúde (SUS), porque o interior das empresas é território de atuação no âmbito da saúde coletiva, entre outras medidas extremamente necessárias de serem adotadas.
Outro tema importante é o enquadramento de algumas atividades como insalubres. Profissionais da saúde, da educação e aqueles que trabalham em contato com o público, como entregadores, trabalhadores do transporte público, vendedores de lojas e garçons, entre outros, estão sujeitos a exposição aos agentes biológicos — trabalho ou operações em contato permanente com pessoas potencialmente portadoras de doenças infectocontagiosas decorrentes da pandemia da Covid-19 — Anexo nº 14 da NR15. Já se tem acumulado que as atividades devem ser caracterizadas como insalubres em grau máximo.
Anuncia-se que talvez sejam vacinados todos os brasileiros e brasileiras maiores de 18 anos até o fim deste ano. Mesmo que ocorra essa vacinação, persistirá o debate jurídico sobre as consequências da Covid-19 para os trabalhadores. Sabe-se que em muitos casos a doença deixa graves sequelas. O âmbito jurídico travará por muito tempo debates sobre o tema e seus reflexos. Isso tudo impõe grandes desafios ao movimento sindical, que deverá assumir tanto uma participação ativa de intervenção no presente como também uma postura de acompanhamento de longo prazo, mapeando as pessoas contaminadas e suas sequelas. Nesse sentido, há disponível um importante projeto de pesquisa intitulado Covid-19 como doença relacionada ao trabalho, que pretende dar visibilidade às atividades laborais como fontes de infecção e adoecimento pela Covid-19 e obter informações que ofereçam subsídios para os sindicatos planejarem ações que possam auxiliar na prevenção da doença e minimizar suas consequências clínicas e sociais. Com esse instrumento, as entidades sindicais poderão firmar parcerias e ter um ponto de apoio na construção da narrativa dos trabalhadores no enfrentamento à doença pandêmica.
Os sindicatos têm diante de si desafios gigantescos. Existe a necessidade de uma forte atuação sindical no âmbito da saúde do trabalhador e no âmbito jurídico. A participação direta dos trabalhadores será determinante na luta contra a Covid-19. Como também uma forte atuação sindical poderá salvar vidas.
Bruno Figueiredo é advogado e especialista em Direito do Trabalho.
Vanessa Farias é engenheira de Segurança do Trabalho e mestranda em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Paraná.