Anos de chumbo: crimes ocorridos durante ditadura militar não podem ser homenageados, disse o TRF-4 (foto: reprodução)

 

O Estado brasileiro reconheceu sua responsabilidade pelas mortes, torturas e desaparecimentos forçados ocorridos durante a ditadura militar (1964-1985), em especial no caso da guerrilha do Araguaia. Assim, órgãos vinculados ao governo não podem voltar atrás, apresentando versões alternativas da história.

O entendimento é do desembargador André Nabarrete Neto, da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. O magistrado ordenou que o governo Bolsonaro publique direito de resposta de vítimas e familiares de vítimas da ditadura contra homenagem feita pela Secretaria de Comunicação (Secom) ao tenente-coronel da reserva Sebastião Rodrigues de Moura, conhecido como Major Curió.

Em 5 de maio deste ano, um dia depois de Bolsonaro receber o Major Curió no Palácio do Planalto, a Secom publicou no Twitter, Instagram e Facebook mensagem tratando o militar como herói. Agente responsável por combater guerrilheiros do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) na região do Araguaia, Curió já foi denunciado por crimes como sequestro, assassinato, tortura e ocultação de cadáver.  Com a decisão, a Secom deverá veicular em suas redes sociais, em até dez dias, a seguinte mensagem, proposta pelos requerentes: “O governo brasileiro, na atuação contra a guerrilha do Araguaia, violou os direitos humanos, praticou torturas e homicídios, sendo condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por tais fatos. Um dos participantes destas violações foi o Major Curió e, portanto, nunca poderá ser chamado de herói. A Secom retifica a divulgação ilegal que fez sobre o tema, em respeito ao direito à verdade e à memória”.

Histórico – Em 2010, o Estado brasileiro chegou a ser condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) em razão de detenções arbitrárias, tortura e desaparecimento forçado de setenta pessoas (entre guerrilheiros e camponeses que viviam na região do Araguaia). “A guerrilha do Araguaia tentou tomar o Brasil via luta armada. A dedicação deste e de outros heróis ajudou a livrar o país de um dos maiores flagelos da história da humanidade: o totalitarismo socialista, responsável pela morte de aproximadamente 100 milhões de pessoas em todo o mundo”, publicou a Secom em ao homenagear Curió.  De acordo com a decisão da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, o posicionamento está em total descompasso com a posição oficial do Estado brasileiro, “que assumiu responsabilidade pelas mortes, torturas, desaparecimentos praticados por agentes estatais ou em nome dele”. “A par de a Corte Internacional ter qualificado de vítimas os familiares, é preciso acentuar que se trata de direito à memória e à verdade reconhecida pelo Estado brasileiro, o que enseja a legitimidade e o interesse processuais não só das vítimas, mas de todos os brasileiros, já que são fatos históricos que dizem respeito a todos, para a preservação da memória e verdade estabelecidas em leis, atos normativos, atos simbólicos, reparação, em que os agentes públicos ou em nome deles são qualificados como algozes, violadores dos direitos humanos e não heróis da pátria, como a nota expõe”, prossegue o desembargador.

Além da condenação da Corte IDH pelo caso Araguaia (Caso Gomes Lund e outros), o magistrado cita a Lei 9.140/95, que reconhece a responsabilidade do Brasil por crimes cometidos durante a ditadura, fixa valor reparatório às vítimas e familiares de vítimas dos militares e cria a Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.  A ação foi movida por Laura Petit da Silva, Tatiana Merlino, Angela Mendes de Almeida, Maria Amélia de Almeida Teles, Criméia Alice Schimidt de Almeida e Suzana Lisboa. Todas foram reconhecidas como vítimas ou familiares de vítimas da ditadura militar pela Comissão Nacional da Verdade, instalada no Brasil entre 2012 e 2014 para investigar crimes cometidos pela repressão.

 

Acesse, aqui, a íntegra da decisão.