Este texto tem o propósito de debater a redução da jornada de trabalho com proporcional redução do salário do empregado, conforme disposto no artigo 7º da MPV nº 936/20 (e artigo 7º da Lei nº 14.020/20). Não será objeto de análise a necessidade ou não de redução dos ganhos dos diretores e administradores ou a da intervenção sindical, esta já decidida pelo STF, ADI nº 6363.
O artigo 7º da MPV nº 936/20 preceitua possível a redução da jornada de trabalho, com redução proporcional dos salários (o artigo 7º da Lei nº 14.020/20 estampa redução, preservado o valor do salário/hora). Mas que tipo de redução de salário é esta?
O que se pode entender por redução proporcional (ou manutenção do salário/hora) não diz, necessariamente, respeito à redução de salário e do tempo de trabalho nos mesmos equivalentes numéricos – a saber, 50% de redução de salário e 50% de redução da jornada de trabalho. É fácil, à primeira vista, entender absurda não redução nos mesmos percentuais numéricos, mas em se adentrando um pouco mais a fundo, em especial em conceitos de produtividade e qualidade do trabalho, pode-se ver que a única opção é uma redução proporcional (ou manutenção do valor/hora), mas observado ganho de produção do empregador. Ou seja, em se reduzindo a jornada em 50%, a redução do salário não poderá ter a mesma baixa percentual.
Mas por que é assim?
A resposta não parece complexa. É corrente que a redução da jornada de trabalho aumenta a produtividade e melhora a qualidade do trabalho. Ou seja, se o empregado é pago para, em oito horas, executar um certo tipo de trabalho ou certas atividades, fazendo-o em quatro haverá, na proporção, um ganho real ao empregador. E esse ganho não refletirá em aumento do valor da hora, o que criará, no mundo real, redução de salário e aumento da acumulação de riqueza nas mãos do empregador (chamando distanciamento ou desequilíbrio trabalho/capital).
A conta, como visto, é bem simples. Se o valor/hora é de R$10,00 para oito horas de trabalho, num total de R$2.200,00 mensais para quatro horas, em pagando R$1.200,00 haveria perda salarial do empregado, pois que a sua produtividade (e qualidade), nas horas de trabalho, já com a jornada reduzida, aumentará, gerando um ganho real acima daquilo que foi acordado entre as partes, acúmulo de mais valia fora dos limites do contrato de emprego, havendo, portanto, redução salarial.
O correto seria haver, pela média, um cálculo (mesmo que aproximativo), observada a média dos trabalhadores e sua produtividade nas primeiras quatro horas de trabalho por exemplo, sendo pago este valor por hora quando da redução (proporcionalidade e manutenção do valor/hora seria este). É evidente que o retorno às oito horas não geraria diferença de salário, em razão de que manteria o pactuado inicialmente, a saber R$2.200,00 por oito horas, considerando a perda proporcional de produtividade e qualidade no decorrer da jornada.
É bom se diga que esta interpretação benéfica tem resguardo no artigo 7º, caput, da CF/88 (regra-princípio da interpretação mais benéfica), que autoriza se diga que a redução proporcional dos salários (ou manutenção do valor/hora) envolve não apenas seu valor nominal, mas os frutos do trabalho para o empregador. Não se pode ser ingênuo e ignorar que, quando da contratação do empregado, o empregador tem em mente, economicamente, o que o trabalho contratado poderá gerar em oito horas, contando o pico e o declínio de produtividade e qualidade, ou seja, observada a média destas mesmas horas. No aumento de produtividade, portanto, há um ganho fora do pactuado, acumulação de mais valia fora dos limites acertados quando da pactuação.
Assim, é de se concluir este breve suspiro entendendo que a redução prevista na MPV nº 936 (e Lei nº 14.020/20) apenas poderá se realizar em havendo equação entre a redução do tempo de trabalho e do salário, observada a média de produtividade (e qualidade) para as primeiras quatro horas de trabalho (redução de quatro horas como exemplo, considerando que podem ser outras). Do contrário, haverá perda de salário (quebra do elemento mais valia e distanciamento econômico empregado/empregador sem autorização contratual e, portanto, legal), e quebra da estrutura contratual, artigos 7º, VI, da CF/88 e 444, 457 e 468 da CLT.
Rafael da Silva Marques é juiz do trabalho e membro da Associação Juízes para a Democracia.