Rio de Janeiro: em março, quando foi decretada situação de emergência, ruas da cidade ficaram quase vazias, situação que se alterou nos meses seguintes
Desde a confirmação do primeiro caso de Covid-19 no Brasil, em 26 de fevereiro, governos estaduais e municipais passaram a fazer largo uso de suas prerrogativas para conter a contaminação e minimizar os impactos da pandemia. O posicionamento do presidente abriu espaço para os governos subnacionais alçarem-se à posição de protagonistas na crise. Passados dois meses, questiona-se: quais as principais medidas adotadas pelos municípios; qual a velocidade e estabilidade da resposta dos governantes locais; que relacionamento predominou entre prefeitos(as), governadores(as) e presidente? Este artigo discute as medidas adotadas em 28 municípios – 18 capitais e 10 cidades médias do interior – nas cinco regiões do país, analisados na série de artigos Os governos municipais frente ao coronavírus, do Nepol, até 15 de abril. [*]
A análise dos casos permite identificar importantes diferenças entre os municípios em relação à velocidade e à abrangência das respostas. Medidas não legislativas já vinham sendo tomadas em alguns municípios desde janeiro e fevereiro como forma de se preparar para enfrentar a pandemia. No conjunto dos municípios analisados, os primeiros decretos municipais relacionados à Covid-19 foram publicados entre 12 e 18 de março de 2020. Em 13 municípios (5 capitais) os(as) prefeitos(as) editaram o primeiro decreto antes da confirmação do primeiro caso.
É provável que a postura do governo estadual e o tipo de relação entre governador e prefeito(a) ajude a compreender o tempo de resposta deste(a). Em 24 municípios predominou uma relação de alinhamento em todo o período analisado. Quase a totalidade dos(as) prefeitos(as) mostrou-se impermeável às posições do presidente Jair Bolsonaro. Nos casos em que os governadores se inclinaram para as posições do presidente, como em Santa Catarina, Rondônia e Minas Gerais, os(as) prefeitos(as) mantiveram adesão às recomendações da OMS. Nos casos em que os(as) prefeitos(as) ecoaram, em algum momento, a postura do presidente, como no Rio de Janeiro, Belém, Duque de Caxias e Goiânia, o discurso não se traduziu em prática e eles acabaram instados a manter as medidas (por pressão dos governos estaduais, da sociedade civil organizada e/ou por força de decisões judiciais).
A análise revela uma grande variedade de medidas e atesta a importância do governo local no arranjo federativo brasileiro. As diferenças de abordagem dos municípios sugerem que as desigualdades intra e inter-regionais têm funcionado como constrangimentos à ação dos governos locais. Apesar disso, diferenças entre municípios que compartilham de características socioeconômicas indicam a importância de fatores políticos. O mapeamento das medidas com base na análise dos 28 municípios permite agrupá-las em sete categorias: (1) administrativas; (2) contenção, mitigação e supressão; (3) compensação econômica; (4) assistência social; (5) saúde; (6) sanitização; e (7) conscientização/informação.
Referentemente a (1), destacam-se os decretos de situação de emergência e de calamidade pública e alterações no funcionamento dos órgãos municipais. Entre as medidas em (2), destacam-se a suspensão das aulas na rede de ensino municipal, o fechamento do comércio e a suspensão de atividades e serviços não essenciais, a proibição de eventos e aglomeração de pessoas, e restrições no funcionamento do transporte público. Embora todos os municípios tenham adotado medidas dessa categoria, nem todos, em princípio, investiram igualmente na fiscalização com penalidades em caso de descumprimento das medidas. Em alguns casos, a Guarda Municipal foi empregada para orientar e dissipar aglomerações. Alguns municípios, como Campinas, Belo Horizonte, Juazeiro, Goiânia, Teresina, Porto Alegre e Nova Iguaçu, introduziram penalidades em caso de descumprimento das medidas na forma de cobrança de multa e/ou cassação de alvará de funcionamento de estabelecimentos.
Entre as medidas mais frequentes de compensação econômica estão o adiamento da cobrança de impostos municipais e a concessão de crédito subsidiado, com a contrapartida de preservação de empregos. Concernente às medidas de assistência social, buscou-se atenuar os impactos da pandemia e do isolamento sobre aqueles que já se encontravam em situação de vulnerabilidade. Medidas frequentes envolveram doação de cestas básicas e de produtos de higiene, doação de alimentos ou voucher para famílias em substituição à merenda escolar, criação de vagas para abrigo da população em situação de rua, e, com menor frequência, criação de ajuda emergencial em dinheiro. Os autores dos artigos da série convergem, contudo, na percepção da insuficiência das medidas voltadas para as populações dos bairros periféricos, favelas e áreas de risco, cujas condições sanitárias e habitacionais tornam quase impossível seguir as orientações da OMS.
Medidas de ampliação da estrutura do sistema de saúde incluíram suspensão de férias dos servidores, contratação e nomeação emergencial de profissionais da saúde, ampliação de leitos hospitalares, construção de hospitais de campanha, obtenção e produção de insumos e de equipamentos de proteção individual. Em (6), incluem-se a adoção de procedimentos especiais de sanitização nos espaços públicos, pontos de grande concentração de pessoas e veículos de transporte coletivo, distribuição de kits de higiene e parceria para a produção de máscaras e álcool em gel.
Por último, as medidas de conscientização/informação incluíram disponibilização de informações sobre a Covid-19 nos portais da prefeitura, criação de canais para solução de dúvidas, circulação de carros de som e amplo uso das redes sociais como canal para atualizar os cidadãos sobre a legislação de emergência. A despeito dos pronunciamentos do presidente em defesa do isolamento vertical e das fortes pressões de comerciantes e empresários locais pela retomada das atividades econômicas, 18 dos 28 municípios não davam sinais de flexibilização até 19 de abril. Com exceção de Curitiba e Florianópolis, que anunciaram a reabertura do comércio com restrições, em vários casos como Campinas, Belo Horizonte, Recife, Salvador e Niterói, ocorreu um endurecimento das restrições quanto à circulação de pessoas. Ainda assim, no dia 17 de abril, dados da empresa In Loco mostravam queda, pela segunda semana consecutiva, na adesão da população ao isolamento.
Nas próximas semanas, os pesquisadores do Nepol pretendem avançar nas análises com o objetivo de monitorar o que foi feito, como e com qual resultado. Nossa expectativa é de que os resultados do estudo contribuam para subsidiar outras pesquisas e as ações dos gestores públicos no efetivo combate à pandemia.
Marta Mendes da Rocha é doutora em Ciência Política pela UFGM e coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Política Local (Nepol).
[*] O Núcleo de Estudos sobre Política Local está vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Os artigos podem ser acessados, na íntegra, no endereço https://nepolufjf.wordpress.com/os-governos-municipais-frente-ao-coronavirus/. Eles foram elaborados por pesquisadores das cinco regiões do país com base em pesquisa da legislação municipal e matérias da imprensa. Expressamos nossos agradecimentos aos autores e autoras. A responsabilidade por eventuais erros nesta análise é inteiramente nossa.
Referências bibliográficas
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