Disseminação geral: novo coronavírus está espalhado mais de cem países, em todos os continentes do mundo
A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou, no dia 11/3, que há uma “pandemia” do novo coronavírus no mundo, com sua disseminação em mais de cem países, em todos os continentes. A pandemia se refere justamente a situações em que uma doença adquire escala global. A epidemia, ao contrário, é o aumento repentino do número de casos de uma doença.
Até 11/3, 69 casos foram confirmados no Brasil. Estima-se que, uma vez atingida a marca de 50 casos, o país pode registrar mais de 4 mil casos em 15 dias e cerca de 30 mil em 21 dias. O cálculo é do Hospital Infantil Sabará, e foi divulgado pela Folha de S. Paulo. Diante do quadro, é esperado que as autoridades sanitárias recrudesçam as medidas para tentar conter o avanço da doença.
Em reportagem especial, o portal ConJur relacionou o que pode ou não ser feito pela administração, como e em que circunstâncias. Por exemplo, chamou a atenção a notícia de que, na cidade italiana de Borghetto Santo Spirito (Ligúria, a cerca de 85 quilômetros de Gênova), uma mulher está “presa” em sua casa, junto com o corpo do marido, que morreu em virtude do covid-19 em 9/3. O prefeito da localidade proibiu que ela saia de casa e que o corpo tenha contato com mais pessoas.
Quarentena no Brasil – Uma lei nacional foi sancionada em fevereiro especificamente para tratar de “medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019”. É a Lei 13.979/2020, cuja tramitação foi bastante rápida (cerca de dois dias). O diploma prevê os mecanismos que podem ser manejados pelas autoridades sanitárias com vistas a conter o avanço da doença. Entre eles, destacam-se a quarentena e o isolamento. Este é a separação de pessoas já contaminadas (e também de bagagens, meios de transporte, correspondência etc.), de maneira que se evite a propagação do vírus. A quarentena se refere a pessoas que ainda não contraíram o vírus, além da restrição de atividades.
Segundo a lei, um ato do ministro da Saúde disporá sobre as condições e os prazos aplicáveis ao isolamento e à quarentena. E às pessoas objeto das medidas ficam assegurados “o direito de serem informadas permanentemente sobre o seu estado de saúde e a assistência à família, conforme regulamento” e “o direito de receberem tratamento gratuito” e o pleno respeito à sua dignidade, aos seus direitos humanos e às suas liberdades fundamentais. Além disso, as medidas somente poderão ser determinadas “com base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde”. Também deverão ser limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública.
Debate jurídico – O advogado Pedro Henrique Costódio, especialista em Direito Administrativo, explica que, para que as medidas previstas pela lei possam começar a ser aplicadas, também é necessário um ato do ministro da Saúde a respeito da duração da situação de emergência. Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil já declarou “Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional”, mas não há um prazo definido para encerramento dessa emergência — apesar de o parágrafo segundo do artigo primeiro da Lei 13.979 prever que um ato “do Ministro de Estado da Saúde disporá sobre a duração da situação de emergência de saúde pública”. Ainda segundo o Ministério, “a situação será avaliada conforme a evolução da doença no mundo e no Brasil”.
Costódio, ao analisar a lei, acredita que o novo diploma tem pontos bastante positivos, não apresentando possíveis problemas de inconstitucionalidade. Para o especialista, o objetivo da lei é que medidas como a quarentena e o isolamento possam ser determinadas pela Administração, dispensando-se assim a necessidade de uma decisão judicial. Rubens Junior, também especialista em Direito Administrativo, faz uma ressalva. “É preciso que o governo use todas as ferramentas possíveis desde que respeite os direitos fundamentais. Nesse caso, estão envolvidos dois direitos constitucionais que é o direito à saúde e à liberdade”, afirma. Assim, para o advogado, “só um juiz pode limitar o direito de uma pessoa à liberdade. E isso tem que ser tratado caso a caso porque estamos tratando de direito fundamental. Fora disso, só se o governo decretar Estado de Sítio ou Defesa, que não é o caso”, explica.
Para o advogado Dagoberto José Steinmeyer Lima, há uma polêmica ainda não pacificada a respeito da garantia dos direitos individuais e a adoção de medidas como a quarentena. Decisões em situações de crise costumam impor sérios desafios jurídicos. Por isso, para o advogado Cristiano Baratto, apesar dos direitos e garantias individuais, a própria Constituição também estabelece que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado. “O Estado deve garantir com políticas públicas a redução de riscos à saúde das pessoas. E, nesse cenário, prevalece o interesse da coletividade. E quem estabelece e cuida do direito da coletividade é o Estado, que tem esse dever. Portanto, por mais que a pessoa alegue direito à individualidade, num momento como esse o Estado tem o dever de prover e dar segurança à coletividade”, afirma.
O advogado lembra ainda que o Código Penal, no artigo 132, fala da periclitação da vida e da saúde. A penalidade prevista é de três meses a um ano para quem expõe a vida ou a saúde de outro em perigo direto ou iminente. “Ou seja, além de estar na Constituição, o Código Penal também estabelece penalidades para as pessoas que venham expor em perigo a vida de outros e num momento em que o Estado estabelece um protocolo que deve ser seguido por todos”, opina. A nova lei sobre o coronavírus, por sinal, prevê que “as pessoas deverão sujeitar-se ao cumprimento das medidas previstas”, de modo que “o descumprimento delas acarretará responsabilização, nos termos previstos em lei”.
Quem pode determinar isolamento – Segundo o parágrafo 7º do artigo 3º do novo diploma, o isolamento e a quarentena podem ser tomados não apenas pelo ministro da Saúde, mas também por gestores locais, desde que autorizados pelo Ministério.
Outras medidas – O novo diploma também prevê a possibilidade de realização compulsória de exames, testes laboratoriais, coleta de amostras clínicas, vacinação e outras medidas profiláticas. Tais medidas não precisam do crivo do Ministério da Saúde. Exumação, necropsia, cremação e manejo de cadáver também podem ser determinados pelas autoridades locais, desde que autorizados pelo ministro, a exemplo da quarentena.