Kenarik: apos determinar o cumprimento de legislação penal, juíza paulista recebeu pena de censura do Órgão Especial do Tribunal de Justiça

 

Uma juíza paulista foi punida administrativamente por ter concedido liberdade a presos provisórios que estavam detidos por mais tempo do que o previsto nas sentenças que os condenaram. O julgamento aconteceu no dia 8 de fevereiro, numa sessão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo. A juíza é Kenarik Boujikian, que não poderá ser promovida por merecimento pelo período de um ano. No processo, foram relacionadas 11 decisões proferidas quando ela integrava a 7ª Câmara Criminal. Em pelo menos três delas, o Órgão Especial enxergou um “juízo de valor” inadequado, proferido enquanto ainda pendiam recursos do Ministério Público. Na opinião da professora Soraia Mendes, eram situações que exigiriam “análise dos demais membros da Câmara Criminal que ela integra”.

Protestos – Kenarik é uma das fundadoras da Associação Juízes para a Democracia (AJD), com grande reconhecimento na área do direito. Vários juristas utilizaram redes sociais para criticar a maneira como o Tribunal de Justiça conduziu o caso. Maíra Fernandes, advogada criminalista e integrante do Instituto dos Advogados Brasileiros, se disse perplexa. “Quando uma juíza é condenada por seus pares por fazer justiça, realmente perdemos as esperanças em dias melhores” comentou. Para ela, a punição “espelha a lógica de um Poder Judiciário cada vez mais conservador, perseguidor e injusto”. Em artigo divulgado no portal Justificando (leia aqui) a professora Soraia da Rosa Mendes ressaltou: “Agora, quem emite a censura somos nós, juízas, promotoras, defensoras públicas, professoras, cidadãs, mulheres. Porque somos solidárias. Porque mexeu com a Kenarik, mexeu com todas!”.

Algozes – Roberto Tardelli, advogado e procurador de Justiça aposentado, afirmou que o “crime” de Kenarik foi transcender a mediocridade: “Ela se eternizará, ao contrário dos seus algozes, que somente sobreviverão nos retratos descoloridos dos mortos nos corredores do Tribunal”. O comentário do professor de Direito Processual Penal na UFRJ Geraldo Prado também teve grande repercussão:Todos querem ser julgados por juízes imparciais, que restabeleçam prontamente a liberdade violada. Não são muitos, todavia, que aceitam uma juíza que atue dessa maneira na tutela dos direitos fundamentais do outro. Feliz da sociedade que tem a Kenarik Boujikian como paradigma de magistrada. A punição por fazer justiça apenas reafirma a condição brutalmente desigual de nossa sociedade, incentivando os grandes juízes e juízas brasileiros a romperem com as práticas que, fundadas na força, carecem por completo de legitimidade. Kenarik não conta apenas com minha solidariedade. Ela é merecedora de admiração e profundo respeito, porque, ao ser magistrada em circunstâncias adversas, segue inspirando gerações de colegas”.