Deltan Dallagnol e o dilema do MPF: mensagens divulgadas pelo Intercept podem ter saído do comando da masmorra de Curitiba
A situação dos procuradores da força-tarefa da Lava Jato é, a partir de agora, mais dramática do que a de Sergio Moro. Os procuradores sabem que qualquer movimento em falso pode acionar o que eles mais temem: a comprovação de que as mensagens saíram de dentro do comando da masmorra de Curitiba. Esse é o dilema dos procuradores, reforçado pelos vazamentos mais recentes de mensagens em que eles atacam as arbitrariedades de Moro e articulam a delação de Leo Pinheiro, para que Lula fosse incriminado. Eles sabem que o vazamento de suas conversas não foi obra de um hacker.
O hacker não existe. Os procuradores sabem (e sabem bem, porque estão ali todos os diálogos sobre a operação) que alguém de dentro do esquema vazou as conversas. Eles podem dizer que não reconhecem a autenticidade dos diálogos. Podem insinuar que as mensagens foram manipuladas, que os vazamentos contêm inverdades. Mas nunca, em momento algum, nenhum dos procuradores disse: eu nunca falei o que foi vazado pelo Intercetp e pela Folha de S. Paulo. Nunca disseram de forma categórica.
Eles não podem dizer. Porque sabem que o anônimo que passou os arquivos ao Intercept é ou foi parte do esquema da tropa de choque da Lava Jato montada a partir de 2014 pelo Ministério Público. Foram mais de 30 procuradores, com apoio de técnicos e aspones das mais variadas áreas, todos mobilizados pelo esforço de conseguir delações. As investigações, se é que existem, são na verdade a sequência dos rastros deixados pelos delatores em confissões feitas depois de meses de prisão ‘preventiva’.
Os vazamentos são de conversas dos procuradores. Sergio Moro só aparece porque fala com eles. Os procuradores sabem bem que dificilmente alguém iria hackear mais de quatro anos de conversas. O Telegram também sabe. O Intercept já disse que não existe hacker. O Intercept não diz e talvez nunca vá dizer, mas é fácil concluir que os arquivos foram sendo guardados por alguém de dentro da baleia. Esse é o tormento dos vazados. É gente deles.
O Brasil ficou sabendo, por obra desse anônimo, que a operação era conduzida pelo juiz, e não pelo promotor, e que métodos no mínimo questionáveis foram usados para que, em nome da lei, da ordem, da moral e da família, delatores incriminassem Lula e o PT. Pode aparecer a qualquer momento o hacker que entrou no celular de Sergio Moro. Até pode. A Polícia Federal poderá encontrar alguém ou alguns que seriam os acusados do hackeamento. Mas isso não terá nenhuma relação com o vazamento das mensagens dos procuradores, mesmo que o governo tente criar essa confusão. E temos certeza de que policiais republicanos não deixarão que se crie essa confusão.
E a divulgação dos vazamentos vai continuar. E os procuradores vão continuar dizendo, a cada vazamento, que não reconhecem isso e aquilo. E vão apontar detalhes irrelevantes sobre incorreções na transcrição dos diálogos pelo Intercept, comuns em qualquer tarefa jornalística, por mais simples que seja. O que eles não dirão nunca é que nunca disseram aquilo que agora ficamos sabendo. Os procuradores terão de lidar com o mesmo dilema que criaram para os delatores forçados a incriminar Lula. A Lava Jato gerou um delator, talvez o mais poderoso de todos eles.
A mais assustadora das criaturas é o delator criado pela própria Lava Jato.
Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre.
Artigo de opinião indicado por associado da Assejur.