O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, afirmou, no dia 15 de janeiro, que o Estatuto do Desarmamento, promulgado em 2003, “não resultou numa diminuição significativa do número de homicídios no Brasil”, em entrevista à GloboNews. Ao contrário, “se [a política anterior] fosse tão exitosa teria se esperado que o Brasil não batesse ano após ano o recorde em número de homicídios”.

De acordo com o Atlas da Violência de 2018, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2016 o Brasil ultrapassou pela primeira vez 60 mil homicídios em um ano. Na última década, 553 mil pessoas morreram devido à violência intencional no Brasil. Nos estados do Norte e Nordeste, as taxas de homicídios por 100 habitantes são as maiores do País: Sergipe (64,7), Alagoas (54,2), Rio Grande do Norte (53,4), Pará (50,8), Amapá (48,7), Pernambuco (47,3) e Bahia (46,9).

Inicialmente, o decreto assinado por Bolsonaro, que alterou o Estatuto do Desarmamento e flexibilizou a posse de armas, seria aplicado somente aos municípios com maiores taxas de violência. No entanto, estendeu-se a todos os municípios. Segundo o ministro, essa foi uma “decisão natural”. Para ele, houve “a compreensão que existe uma parcela da população que manifesta seu desejo de ter a posse de uma arma em sua residência. Com isso, essas pessoas têm uma sensação de segurança maior e por outro lado essa arma pode funcionar como mecanismo de defesa”. Contudo, um estudo publicado pelo Instituto Datafolha no dia 31 de dezembro de 2018 mostrou que 61% da população brasileira é contra facilitar o acesso a armas de fogo

Sobre isso, o Instituto Sou da Paz, que lançou uma nota contra o decreto presidencial, o desejo majoritário da população é por “investimento sério e estratégico em segurança pública”. No entanto, para a organização, o governo se esquiva dessa responsabilidade “ao fomentar a ilusão de que cidadãos armados estariam protegidos, sendo que o uso da arma para defesa pessoal presume que ela esteja em alcance imediato e que o cidadão tenha um grau de treinamento irreal no cotidiano”.

Para Bruno Langeani, gerente de Sistemas de Justiça e Segurança Pública do instituto, a declaração do ministro “é um pouco rasa de análise” no tocante ao Estatuto do Desarmamento, posto que a legislação abrange medidas que não foram implementadas pelo governo federal, como a integração entre o banco de dados do Exército e da Polícia Federal.

“São pontos que influenciaram no resultado da política. Mas, mesmo com essas lacunas, o estatuto gerou um resultado”, afirma. Nos últimos 20 anos, a única redução nas taxas de homicídio se deu em 2004 e 2005, logo após a promulgação da legislação. Outro ponto é a faixa de crescimento da taxa: antes do desarmamento, os números cresciam cerca de 7% ao ano; depois, 0,3%. Na época, houve um esforço dos órgãos públicos para retirar as armas de circulação. Contudo, “não dá para colocar toda a esperança ou culpa em uma única medida, pois controlar homicídio demanda trabalho da polícia, esclarecimento de crime, estratégia de prevenção e afins. E, mesmo com vários pontos não sendo implementados, teve um efeito positivo – se não de trazer uma diminuição definitiva, ao menos de frear o crescimento das mortes no Brasil.

Segundo Langeani, o estado de São Paulo conseguiu reduzir a taxa de homicídios e a quantidade de armas em circulação graças a determinações realizadas no âmbito da segurança pública. Algumas dessas medidas consistem na criação de um sistema para georreferenciar crimes e facilitar a estratégia das polícias e o investimento na especialização de crimes de homicídios a partir da formulação do Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), de 2011. No estado paulista, no período anterior ao estatuto, apreendiam-se 40 mil armas de fogo por ano. Depois da legislação e com as medidas de segurança pública tomadas pelo estado, passou-se a apreender 15 mil.

Empossado, o ministro Sergio Moro prometeu combater o crime organizado, a corrupção e os crimes violentos. Mas, “como primeira medida, decidiu ampliar a arma em circulação, que é justamente um obstáculo para diminuir o crime violento”. Isso “passa uma mensagem muito errada […]”.

Além do mais, o decreto presidencial beneficia fortemente a indústria de armas. “Tanto é que, antes mesmo da decisão, houve um crescimento expressivo das ações da Taurus”, o maior fabricante de brasileiro de armas de fogo. “Não houve um financiamento de empresa privada para a última campanha eleitoral. Mas na eleição anterior houve uma série de parlamentares que receberam recursos da Taurus e da CBC, que claramente fazem um lobby grande para facilitação da compra e posse, porque para elas é mercado, independentemente do resultado disso na segurança pública.”

Outro ponto problemático do decreto, segundo Langeani, é a questão do prazo para a renovação da licença para ter a posse de armas de fogo. Na legislação anterior, o período era de cinco anos. Agora passou para dez. Para o especialista, a mudança é “preocupante, porque muita coisa pode acontecer durante esse tempo: o cidadão pode ter cometido um crime ou desencadeado alguma questão psicológica ou física impeditiva. Se para a renovação da carteira de motorista exige-se um intervalo de cinco anos, por que para possuir arma de fogo deve ser diferente?”

Sobre as consequências de se ter uma arma de fogo em casa, Langeani afirma que aumentam os riscos de suicídio, homicídio, feminicídio e infanticídio. Além disso, “muito provavelmente crescerão os episódios de tiroteios dentro de pizzarias, padarias e afins, porque mais gente comprará armas para deixar em seus estabelecimentos comerciais. E aí qualquer um pode se transformar em vítima”. Outro ponto é que os maiores momentos de compras também são os de maiores desvios de armas para o crime.

O custo mais baixo para possuir licença de uso e arma é de quatro mil reais. O número de armas que o decreto permite é de quatro por pessoa. “É algo que beneficia a classe média e alta. A maioria da população não tem dinheiro para comprar arma e muitas vezes nem casa para morar. Quem não vai ter dinheiro para comprar são as pessoas da periferia, e quem verá a violência explodir de forma mais acentuada também vai ser o pessoal da periferia”. Por fim, “se a prioridade anunciada pelo ministro é reduzir crime violento, a gente precisa de outras políticas, e não facilitar a compra de armas”, afirma Langeani.