A terceirização de atividades-fim, uma alternativa considerada legítima pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamento realizado no dia 30 de agosto, provocou críticas de profissionais do Direito. Em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, Flávio Roberto Batista, doutor em Direito do Trabalho e Seguridade Social e professor da USP, destacou que essa medida contraria convenções e tratados internacionais chancelados pelo Brasil.

Confira, abaixo, a íntegra da análise.

 

Direitos ameaçados: luta dos trabalhadores contra a terceirização se intensificou em 2015, quando a matéria estava submetida ao Congresso Nacional

 


Supremo só não erra seu alvo: a destruição de direitos dos trabalhadores

Flávio Roberto Batista

 

A autorização pelo STF da terceirização nas atividades-fim da empresa é um grande símbolo da abertura seletiva do direito à realidade externa, sempre em prejuízo dos interesses dos trabalhadores.

O principal argumento do julgamento, que se desenvolveu no sentido de que a lei não proíbe a terceirização, não procede. A Constituição brasileira determina que os tratados de direitos humanos de que o Brasil faça parte integram o direito brasileiro em posição superior à das leis.

E o Brasil fez parte da Constituição da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que coloca claramente que o trabalho não é uma mercadoria, expressão que sempre foi compreendida como vedação à prática da terceirização da atividade-fim. A Recomendação nº 198, da mesma entidade, é ainda mais clara: estabelece que a integração do trabalhador na organização da empresa e sua prestação pessoal e direta de trabalho são elementos da relação de emprego.

A proibição da terceirização de atividade-fim também se encontra na legislação de países como Itália, França e Alemanha. Ao fechar os olhos ao direito internacional e comparado, o STF se abre a uma suposta eficiência econômica para justificar a terceirização. Equivoca-se também aqui: é impossível que duas empresas lucrem – uma reduzindo seus custos com contratação de mão de obra e outra mantendo atividade econômica lucrativa na intermediação de mão de obra – sem que o trabalhador perca em nível salarial e de proteção, como já apontado em pesquisa do Dieese.

Isso se explica, de um lado, pela diferença de representação sindical entre os contratados diretos e os terceirizados, que permite que a empresa se valha da terceirização da atividade-fim para contratação de mão de obra sem os direitos previstos em normas coletivas da categoria. Ainda se explica, de outro lado, pela diferença de solidez entre as empresas tomadoras de mão de obra e as intermediárias, normalmente sem qualquer capital social e de impossível responsabilização.  

Assim, erra o STF duas vezes: ao se fechar no direito, buscando uma inexistente autorização jurídica, e ao se abrir à economia, ignorando os efeitos da terceirização em garantias de direitos e formação de mercado consumidor. Só não erra em seu alvo: ao pretender participar da escalada de destruição de direitos dos trabalhadores, acerta em cheio no tema mais simbólico da precarização das relações de trabalho.

 

Acesse, aqui,  mais informações sobre a decisão do STF que autorizou a terceirização de atividades-fim.