Unificação polêmica: advogados e magistrados debateram, no Rio de Janeiro, o futuro da Justiça do Trabalho, que corre o risco de ser incorporada pela Justiça Federal (foto: portal Jota)
Advogados e magistrados repudiaram, no dia 26 de julho, a possibilidade de fusão da Justiça do Trabalho à Justiça Federal. Em evento no Rio de Janeiro, eles alegaram que não se pode deixar que, “em uma canetada”, mude-se toda a tradição judicial. “Não podemos, em uma canetada, pôr fim a um histórico de organização judicial complexa, que se formou ao longo do tempo e que no mundo todo é um exemplo”, disse o presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, André Fontes.
Segundo Fontes, a Justiça do Trabalho tem sido atacada porque “cumpriu sua função. Ela conseguiu uma doutrina, organização e competência tão grandes que precisa hoje de uma reação dos políticos para enfrentá-la porque ela cumpriu sua missão. É atacada por isso, porque cumpriu sua missão. Fez o que se esperava que fizesse. Não faltaram detratores para atacá-la”. Essas afirmações foram feitas durante o evento Justiça do Trabalho e Justiça Federal juntas?, organizado pelo Instituto dos Advogados do Brasil (IAB) e o TRF-2.
O presidente do TRF-2 também comparou a possibilidade de fusão com o trabalho da Defensoria Pública da União, que atua em quatro ramos da Justiça e tem dificuldades de lidar com as finalidades distintas de cada uma delas. Para a presidente do IAB, Rita Cortez, o receio é que aconteça nesse aspecto o que ocorreu com a reforma trabalhista. “Não se iludam. A reforma se iniciou no Congresso contendo cinco itens. Bastou que fosse aprovada a lei do trabalho temporário e [a] intermediação da mão de obra que se passou uma proposta com mais de 100 itens, fazendo uma mudança na legislação do Trabalho”, disse Rita.
Para ela, embora não haja um projeto específico proposto ao Congresso – seria necessária uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para fazer a fusão –, o tema da extinção da Justiça do Trabalho está posto. “É hora de colocar luzes sobre ele. Ainda que não tenhamos hoje uma PEC específica propondo a junção, o tema extinção da Justiça do Trabalho está colocado até pelos dispositivos da lei [da reforma trabalhista] quando cria empecilhos e impeditivos de amplo acesso à Justiça”, afirmou.
Debate inoportuno – Associações de magistrados do trabalho reiteraram posições contrárias à possibilidade de fusão. Mas criticaram a iniciativa do IAB em iniciar o debate de uma proposta que “ainda não existe”. Para Ronaldo Callado, presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho da 1ª Região, realizar o debate a partir da “fala isolada de um parlamentar” – a declaração do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de que a Justiça do Trabalho não deveria existir – evidencia uma “inequívoca precipitação, para dizer o mínimo”. “Nada há de concreto para tal preocupação”, disse Callado. Ele também avaliou que não se pode atribuir a reforma trabalhista como condição de estopim dessa iniciativa, e que os sete meses de sua vigência não permitem análises mais profundas de suas consequências.
A opinião sobre o debate foi reforçada pelo vice-presidente da 2ª região da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Flávio Lucas. “A fusão é inoportuna, mas o debate também é inoportuno, porque antecipa uma discussão que não está posta”, afirmou Lucas. O presidente da Associação dos Juízes do Trabalho, Otavio Calvet, analisou que a discussão por detrás da suposta fusão da Justiça do Trabalho com a Justiça Federal é, na verdade, a sua extinção. “Todas as falas do Congresso não são no sentido de buscar uma junção para a melhoria e ter mais racionalidade na distribuição da Justiça. Se fosse esse o debate, seria outro tipo de discussão”, afirmou. “É inoportuna a discussão de fusão nesse cenário em que se fala em extinção da Justiça do Trabalho”, disse Calvet.
Eficiência – O professor de Direito Administrativo da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Manoel Peixinho, ponderou que a Justiça do Trabalho é a mais eficiente entre os diferentes ramos judiciais brasileiros, com base nos números do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ele destacou que o índice de conciliação dos processos na Justiça do Trabalho é de 26% – na Justiça Federal essa taxa fica em 4%. Além disso, a Justiça do Trabalho tem 92% dos processos eletrônicos, uma taxa de congestionamento de 56% e está presente em 625 municípios.
“Metade das ações na Justiça do Trabalho [se refere à] cobrança de verbas rescisórias não pagas. Daí a perspectiva do incômodo de quem quer a extinção da Justiça do Trabalho. Querem deixar que o trabalhador fique à mercê da própria sorte. Se existe um excesso – o que é um mito – é em razão da dialética capital e trabalho”, disse Peixinho.