Duas minutas de anteprojetos de lei, elaboradas separadamente pelo Tribunal de Justiça e pelo Comitê Gestor Regional de Priorização do Primeiro Grau de Jurisdição – um colegiado cuja estrutura é dada pela Resolução nº 194/14, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) –, pretendem reorganizar, a curto prazo, o sistema de cargos e salários do funcionalismo. Os documentos, que dizem incorporar preceitos da Resolução nº 219/16, também do CNJ, que determina a redistribuição da força de trabalho em tribunais de todo o País, reúnem muitas polêmicas, mas não conseguem apresentar soluções consistentes.
O risco das propostas é promover uma espécie de “modernização” das relações de trabalho sem considerar as especificidades do setor público, limitando-se a sugerir cortes de gastos que resultam na transformação de cartórios e centros de apoio à atividade judiciária numa espécie de linha de montagem de peças burocráticas. Nesse esquema, os servidores cumpririam o papel de agentes secundários do “sistema”, submetidos a um processo cruel de mecanização do seu cotidiano, de rebaixamento salarial e de intensificação de pressões exercidas por seus superiores hierárquicos.
A correção das muitas irregularidades que atingem os quadros de pessoal é a maior reivindicação dos servidores, e vem desde 1988, pelo menos, quando a Constituição da República era nova e anunciava mudanças importantes no serviço público. O tema reapareceu com força a partir das resoluções do CNJ que identificaram carências no primeiro grau de jurisdição. A ideia foi permitir a (re)lotação de funcionários conforme as demandas de cada setor. Para isso, seria instituída uma tabela de vencimentos única, válida tanto para os profissionais que atuam em juízos de instância inicial como para os que trabalham na Secretaria do Tribunal de Justiça – observado, necessariamente, o critério da equivalência de funções.
Não há dúvida de que a Resolução nº 219/16 propiciou aos órgãos de classe vinculados à Justiça estadual uma pauta relevante, que incluiu o debate sobre a isonomia. Ocorre que as manifestações formais em nome dos envolvidos se dispersaram, atingidas por rachas e desentendimentos que parecem não ter fim. Acirradas as disputas internas, muitas readequações que seriam imprescindíveis foram esquecidas, como se não existissem demandas comuns a aproximar servidores do primeiro e do segundo graus.
Para piorar, o CNJ se transformou em palco de guerra, seja nos procedimentos desencadeados por associações e Sindijus-PR diretamente em Brasília, seja no Comitê Gestor Regional, braço do órgão fiscalizador nos Estados. Nesses foros administrativos se concentraram os esforços – legítimos, diga-se – de consecução de pautas setorizadas, num esquema que poupou o Tribunal de Justiça, órgão responsável por solucionar os impasses, de cobranças por respostas abrangentes e efetivas. As frustrações, como era de se esperar, foram inevitáveis.
O que resta fazer, então? O primeiro passo é reconhecer que esse quadro de incertezas prejudica todas as carreiras, seja pela ameaça de uma isonomia “por baixo”, seja devido à extinção injustificada de cargos, aos entraves impostos às progressões funcionais ou ao apego ao discurso ideológico da eficiência, do baixo custo e da terceirização desmedida. Ao mesmo tempo, é preciso barrar todo e qualquer movimento que, orientado por interesses ultracorporativistas, ameace a luta histórica pelo plano de cargos e salários. E isso não será feito com base em teimosia, egoísmo ou omissão. Trata-se, ao contrário, de objetivo estratégico que depende da unidade consolidada no debate democrático, na participação e no estabelecimento de vínculos de confiança entre as representações de classe e suas bases. Assim é.
[*]Adaptação de texto elaborado em fevereiro de 2018 sobre anteprojeto de lei do Tribunal de Justiça para a reorganização do sistema de cargos e salários do Poder Judiciário.