Já lhes disse que não entendo nada (nem quero entender) de economia. Acho os economistas, com seus cálculos, estatísticas e projeções, uns chatos de galocha e uns desmancha prazeres. Vivem em meio a crises e têm orgasmos múltiplos ao assustar a patuleia ignara de terra brasilis. No entanto, tamanho é o atual bombardeio impresso, online e televisivo sobre a tal crise da seguridade social que fui escabichar o tema. Já o havia enfrentado em março. Volto a ele.
Segundo o ministério do senhor Meirelles, o rombo da previdência dos trabalhadores privados foi de R$ 149,7 bilhões em 2016. No caso dos funcionários públicos, o déficit foi de R$ 155,7 bilhões. Isto é, mesmo tendo menos gente (cerca de 10 milhões de pessoas, entre servidores ativos e beneficiados), o sistema de previdência dos funcionários públicos consegue ter um déficit maior do que o das empresas privadas, onde há muito mais gente: em 2016, foram 29,2 milhões de benefícios.
Para o relator da CPI da Previdência, senador Hélio José (Pros-DF), isso não quer dizer nada. Aliás, em seu relatório final, o parlamentar declara que “tecnicamente, é possível afirmar com convicção que inexiste déficit da previdência social ou da seguridade social”. E argumenta que as projeções apresentadas pelo governo não estão de acordo com a realidade e foram construídas para justificar uma reforma que ele classificou como “drástica”.
“São imprecisos, inconsistentes e alarmistas os argumentos do governo federal sobre a contabilidade da Previdência Social”, destacou o relator.
A conclusão da CPI se baseia no argumento de economistas que defendem que os regimes de aposentadoria dos setores público e privado são diferentes e assim devem ser tratados. Além disso, sustentam que, segundo o artigo 194 da Constituição Federal, as contas da previdência dos trabalhadores privados devem ser contabilizadas dentro da seguridade social, que inclui receitas de outras contribuições sociais e despesas com saúde e outros benefícios.
Meses de investigação da CPI garantem que o rombo apontado pelo governo não decorre da falta de recursos, mas de contas erradas, projeções exageradas e má gestão do dinheiro da previdência.
O fato é confirmado pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), para a qual a seguridade social apresentou, na realidade, em média, saldo anual positivo de R$ 50 bilhões entre 2005 e 2016. O único saldo negativo, de R$ 57 bilhões, ocorrido no ano passado, foi reflexo da crise econômica, que reduziu a arrecadação de tributos, mas trata-se de uma situação conjuntural a ser revertida com a retomada da economia.
A professora de Economia da UFRJ, Denise Gentil, por seu turno, vai além e demonstrou em sua tese de doutorado que o governo executa uma fraude contábil nos cálculos das receitas e despesas com a seguridade social.
De acordo com a Drª Denise, o governo pega a receita de contribuições previdenciárias ao INSS, que é apenas uma das fontes de receita, e deduz (subtrai) dessa receita o total dos gastos com benefícios previdenciários. Por esse cálculo, teríamos no ano de 2015 um [falso] déficit de 85 bilhões de reais.
Reafirma, no entanto, que a Constituição Federal, ao criar o sistema de seguridade social, nos arts. 194 e 195, estabelece que o dinheiro arrecadado para a seguridade não poderia ser gasto com outras coisas. Em assim procedendo, isto é, pegando o total das receitas e deduzindo as despesas com saúde, previdência e assistência social, além das despesas com a burocracia, chegar-se-á a um superávit. Em 2015, esse superávit teria sido de 20 bilhões de reais.
Então, para onde está indo esse dinheiro? Segundo a Drª Denise Gentil, o governo tem desviado esse superávit para o orçamento fiscal. Quer dizer: dinheiro que deveria ser gasto na proteção social está sendo utilizado para outros fins, como o pagamento de juros. De conformidade com a Drª Gentil, isso é muito fácil de confirmar, mas a mídia não tem tido interesse de divulgar.
E de onde viriam esses juros? Do lançamento de títulos públicos para controlar a Selic. Sabem a Selic? É a média de juros que o governo brasileiro paga por empréstimos tomados dos bancos. “Quando a Selic aumenta, os bancos preferem emprestar ao governo, porque paga bem. Já quando a Selic cai, os bancos são ‘empurrados’ para emprestar dinheiro ao consumidor e conseguir um lucro maior. Assim, quanto maior a Selic, mais ‘caro’ fica o crédito que os bancos oferecem aos consumidores, já que há menos dinheiro disponível” – explica a especialista. E, como se sabe, o Brasil continua pagando as maiores taxas de juros, reais e nominais, do mundo!
Então, conclui-se que, na verdade, o orçamento deficitário não é o orçamento da seguridade social. Orçamento deficitário é o orçamento fiscal do Governo, que vem dilapidando o patrimônio da seguridade social com outros gastos.
Na esfera administrativa do Paraná, com as devidas adequações, é mais ou menos a mesma coisa.
Preciso explicar isso urgentemente à minha querida Cleonice, que tem andado num estado de nervos de dar dó. É que ela, como professora aposentada do Estado, recebe uma aposentadoria de R$ 2.100 mensais e, segundo as autoridades públicas, alinha-se entre os privilegiados e é uma das principais responsáveis pela quebra da previdência pública nacional.
(Texto publicado em 30/11/17 no blog do jornalista Zé Beto)
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