Um retrocesso social gigantesco marca o dia 11 de novembro de 2017 no Brasil. Essa é data da entrada em vigor da reforma trabalhista[1], uma lei de autoria do chefe de Estado mais impopular do mundo[2] e votada por um parlamento que não merece confiança, para ficar num campo de referência gentil.
Durante muitos meses, desde os acontecimentos políticos que levaram à deposição da presidente eleita em 2014, setores vinculados ao capital financeiro tentaram mostrar à população que as medidas propostas eram necessárias e até mesmo vantajosas para os trabalhadores. Não conseguiram, mesmo porque não há o que convença uma pessoa de que o corte dos seus direitos mais elementares lhe proporcionará dias melhores.
A reforma trabalhista resultará na precarização das relações de emprego. Isso se extrai das palavras de um dos maiores defensores das mudanças, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra da Silva Martins Filho. Para ele, a redução de direitos é uma necessidade econômica, e não um desastre social. Ou, como afirmou textualmente numa entrevista concedida ao jornal Folha de S. Paulo: “Nunca vou conseguir combater desemprego só aumentando direito”.
Essa entrevista, publicada no dia 6 de novembro, contém afirmações estarrecedoras. O chefe maior da Justiça do Trabalho, ao responder ao questionário que lhe foi entregue, não se constrangeu em agir como porta-voz do empresariado. Com base no discurso surrado da “modernidade”, enalteceu a “livre negociação” entre desiguais e a “segurança jurídica” que a reforma proporcionará aos donos do dinheiro.
O magistrado também expôs a face perversa da elite que comanda o País. Ao comentar o dispositivo da nova lei que condiciona o valor do dano moral ao salário recebido, cravou: “Não é possível dar a uma pessoa que recebia um salário mínimo o mesmo tratamento, no pagamento por dano moral, que dou para quem recebe salário de R$ 50 mil. É como se o fulano tivesse ganhado na loteria”. Para Gandra Martins, a ofensa, a exploração, os abusos, o desrespeito, tudo passa a ser relativo. Nessa equação, os ricos continuarão a ser ricos e detentores de uma proteção jurídica que a ralé não terá jamais.
Seguem, para reflexão, alguns trechos das declarações do ilustre representante do Judiciário brasileiro.
A espinha dorsal da reforma foi o prestígio à negociação coletiva. É importante porque quebra a rigidez da legislação. Tem a possibilidade de, em crise econômica, trocar um direito por outra vantagem. Por exemplo, um reajuste salarial menor, mas com uma vantagem compensatória: eu garanto por um ano seu emprego ou vou te dar um reajuste do auxílio-alimentação superior à inflação.
Modernizar a legislação já era uma necessidade. Você vê novas formas de contratação e novas tecnologias. Não havia normativo. A reforma deu segurança jurídica. Em época de crise, se não estiverem claras as regras, o investidor não investe no Brasil.
A regulamentação do trabalho intermitente, por exemplo. […] Eu te pago a jornada conforme a demanda que eu tiver. Quando eu precisar, eu te aviso. Com o trabalho intermitente, você consegue ajeitar a sua vida do jeito que quer. As novas modalidades permitem compaginar outras prioridades com uma fonte de renda laboral.
O que se tem discutido: pode ser o salário [como parâmetro para a fixação do dano moral]? Não faria uma mesma ofensa, dependendo do salário, ter tratamento desigual? Ora, o que você ganha mostra sua condição social. Não é possível dar a uma pessoa que recebia um mínimo o mesmo tratamento, no pagamento por dano moral, que dou para quem recebe salário de R$ 50 mil. É como se o fulano tivesse ganhado na loteria.
Sem parâmetro, há uma margem de discricionariedade [em] que você pode jogar um valor que, se trabalhasse a vida inteira naquele trabalho, não ganharia o que está ganhando porque fizeram uma brincadeira de mau gosto contigo. Às vezes, é por uma brincadeira de mau gosto que se aplica a indenização por dano moral.
Simplificar processo e racionalizar a prestação jurisdicional. Vamos julgar só causas mais relevantes. O advogado do empregado terá de pensar muito antes de entrar com ação, o do empregador terá de pensar muito antes de recorrer.
Ives Gandra da Silva Martins Filho, presidente do TST
Acesse, aqui, a entrevista concedida pelo presidente do TST ao jornal Folha de S. Paulo.
[1] Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, que altera mais de cem dispositivos da CLT.
[2] A notícia sobre a impopularidade de Michel Temer repercutiu na imprensa no final de outubro deste ano. Segundo a agência Eurasia, da Europa, o presidente do Brasil é aprovado por apenas 3% da população brasileira. É o pior desempenho entre os líderes políticos mencionados na pesquisa realizada pelo instituto. Disponível em: <https://www.revistaforum.com.br/2017/10/26/e-campeao-e-e-do-brasil-pesquisa-aponta-temer-como-o-presidente-mais-impopular-do-mundo/>. Acesso em: 7/11/17.