O fim da estabilidade no serviço público é um dos temas em debate no Congresso Nacional. Como já aconteceu outras vezes, tramita no Senado um projeto de lei sobre a matéria. Trata-se do PLS nº 116/17, da senadora Maria do Carmo Alves (DEM-SE), que regulamenta o artigo 41, § 1º, III, da Constituição, dispondo “sobre a perda do cargo público por insuficiência de desempenho do servidor público estável”. O texto reafirma a necessidade de avaliações periódicas do desempenho de funcionários públicos. Nesse esquema, aqueles que obtiverem notas inferiores a três durante quatro semestres seguidos estarão sujeitos à pena de demissão. A medida, segundo os seus defensores, tem por objetivo aperfeiçoar o atendimento à população em áreas essenciais, excluindo dos quadros administrativos profissionais relapsos ou de baixa produtividade.

Serviços precários – De tempos em tempos, a condição de funcionário público é apresentada como antítese da “eficiência”, num raciocínio que parte do pressuposto de que os serviços que os órgãos estatais oferecem à sociedade são precários. O pressuposto é verdadeiro, sem dúvida. O problema está em transferir para o funcionalismo a responsabilidade exclusiva pelas falhas no “sistema”, poupando os abusos verificados no centro do poder. As autoridades que insistem em apontar as deficiências da máquina estatal costumam ser as maiores defensoras do corte de verbas na saúde, na segurança e no transporte públicos, por exemplo.

 

Na fila: omissão do Estado em serviços essenciais, como o transporte, prejudica a população

 

Redução de direitos – Em 2016, o governo conseguiu aprovar o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 257/16, impondo regras de “austeridade” financeira e orçamentária a Estados que devem para a União.  Com isso, criou um instrumento legislativo destinado, entre outras medidas restritivas, a subtrair direitos de servidores públicos. As reformas trabalhista, com a abertura da possibilidade de terceirização de atividades-fim, e da Previdência, com cortes em aposentadorias e pensões, completam a tendência de esvaziamento do Estado “social”.

Leia, aqui, matéria sobre o PLP nº 257/16.

Análise distorcida – Não surpreende, portanto, que a questão da estabilidade volte ao centro dos debates. E também não surpreende que as polêmicas que envolvem o assunto estejam sendo apresentadas de forma distorcida. A versão segundo a qual os servidores públicos possuem estabilidade absoluta, total, infinita ou irrestrita aparece com bastante frequência nos meios de comunicação de massa. E é uma versão falsa. Na sua origem, a estabilidade não era atributo exclusivo de funcionários públicos, mas também atingia trabalhadores regidos pela CLT. Em 1966, o governo militar aprovou a Lei nº 5107/66, que instituiu o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Essa norma admitiu a possibilidade de despedida imotivada de empregados da iniciativa privada, oferecendo-lhes, em contrapartida, uma espécie de poupança compulsória.

Demissão possível – Os funcionários públicos ficaram de fora do FGTS, e se mantiveram estáveis em seus cargos. Nem por isso se converteram em profissionais do ócio. Nem por isso deixaram de se sujeitar a avaliações de desempenho. Sempre foram demissíveis, ainda que o seu afastamento exigisse como requisito o processo disciplinar prévio. Não há grande novidade, portanto, nas propostas atuais. Elas são inócuas, porque cargos públicos nunca foram perpétuos. E porque não há nenhum elemento objetivo capaz de demonstrar que a estabilidade seja o maior dos problemas que atingem a estrutura burocrática do Estado.