Na Comissão Especial da Reforma Política: com o ‘distritão’ incorporado, relatório de Vicente Cândido (ao microfone) foi aprovado por ampla maioria 

 

Por 25 votos a 8, sem abstenções, deputados membros da Comissão Especial da Reforma Política aprovaram o relatório de Vicente Cândido (PT-SP) à reforma setorial que, entre outros pontos, cria um financiamento para bancar campanhas eleitorais, extingue a figura do vice-presidente e estabelece o sistema “distritão”. Emenda com esse teor foi aprovada já na madrugada de quinta-feira (10), substituindo o modelo distrital misto de votação que havia sido sugerido pelo relator (confira os principais pontos abaixo). A aprovação da matéria (Proposta de Emenda à Constituição 77/03), não significa que o assunto esteja encerrado. Os parlamentares ainda têm que apreciar destaques apresentados ao texto original. Com a aprovação do único deles à 1h20, a reunião foi encerrada pelo presidente do colegiado, Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA).

O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), abriu mão da ordem do dia (sessão de votações) em plenário, de maneira a permitir discussão e votação do relatório do deputado petista. Os parlamentares têm pressa para aprovar as mudanças eleitorais para que elas já possam valer em 2018. Para isso, as mudanças têm que ser votadas e promulgadas até 7 de outubro. Mesmo diante da pressa, o debate de conteúdo consumiu mais de oito horas até o início da votação dos destaques para votação em separado (sugestões adicionais para o texto-base).

Deputados apresentaram 43 destaques ao voto do relator, e ainda faltava a análise de 23 depois de aprovado o texto-principal. O principal dos dispositivos sugeridos foi justamente a adoção do distritão, não por acaso o primeiro destaque apreciado após a votação do texto principal. O assunto dominou as atenções na comissão durante toda a tarde e parte da noite, entre defesas e ataques ao modelo, apresentado pelo PMDB.

Uma inclusão de conteúdo feita de surpresa por Vicente Cândido foi o artigo 86-A, que estendia aos presidentes da Câmara e do Senado a prerrogativa de serem investigados apenas por atos cometidos no exercício de mandato. Atualmente, a regra é aplicada apenas ao presidente da República, e já recebe muitas críticas da opinião pública. Já com as discussões avançadas, por volta das 20h, o relator anunciou que retirava do texto o “jabuti” – alcunha dada a propostas de conteúdo estranhas ao cerne da proposição em pauta.

Fundo Especial de Financiamento – A criação do Fundo de Financiamento da Democracia foi outra das principais discussões sobre o relatório. Com a proibição de doações de campanhas em 2015, por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), os defensores do fundo afirmavam que não há como financiar campanhas sem a criação de uma reserva de recursos públicos para tal fim. A crítica aponta a contradição em se criar um fundo bilionário para campanhas em meio a uma das mais graves crises econômicas da história do Brasil.

Um dos defensores do dispositivo, o tucano Marcus Pestana (MG) afirmou que o atual sistema chegou “no fundo do poço” com a promiscuidade entre candidatos e empresas privadas financiadoras de campanha, de maneira que “não há outra saída senão um fundo público”. Membro de um partido que historicamente defende o financiamento público de campanha, o relator ressaltou a necessidade da modalidade de custeio e disse que os gastos serão ainda mais elevados a partir de 2018.

“No âmbito dos partidos políticos, caberá ao órgão de direção nacional, de acordo com os estatutos partidários, estabelecer os critérios de distribuição dos recursos trinta dias antes da data em que serão escolhidos os candidatos à eleição”, diz Vicente em trecho de seu relatório.

As críticas vieram, especialmente, por parte de legendas consideradas “nanicas”. O fundo, que foi estimado em pelo menos R$ 3,5 bilhões, seria distribuído conforme os critérios já previstos em lei, e privilegiaria os grandes partidos. O líder do PHS, deputado Diego Garcia (SP), afirmou que a criação do fundo era um absurdo, e que esse seria o primeiro “puxadinho” à PEC do Teto dos Gastos, uma das primeiras ações do governo Michel Temer.

Distritão – A emenda ao texto do relator proposta pelo PMDB dominou o debate entre os deputados. Entre as principais críticas, Cristiane Brasil (PTB-RJ) afirmou que o modelo de distritão que se tem discutido é prejudicial à atuação das mulheres na política. Luizianne Lins (PT-CE) reforçou a crítica da colega. Deputados de PT, PCdoB, Psol, PHS e PR também se manifestaram contra o dispositivo.

O deputado Henrique Fontana (PT-RS) sintetizou o protesto anti-distritão. “Por exemplo, se tem 31 vagas em disputa, esse distritão vai chegar ao ponto de talvez haver 40 candidatos. No dia em que o eleitor sai de casa para renovar o Parlamento, porque acredita na democracia, vai chegar lá e ver que os candidatos são todos os que já são deputados e que só há meia dúzia de candidatos novos”, reclamou o petista.

Pestana discordou. “Nós chegamos tão ao fundo do poço que o distritão é superior ao nosso atual sistema. Evita o efeito do campeão de votos que traz para a Casa pessoas sem nenhuma representatividade. Permite compatibilizar os recursos escassos com menor número de candidaturas. Será um grande avanço fazermos a transição para o distrital misto com o distritão em 2018”, opinou o tucano.

No voto distritão, extingue-se o quociente eleitoral (redistribuição de votos para lista partidária), e os candidatos mais votados são eleitos. Ou seja, configura-se para deputados e vereadores o modelo da eleição majoritária de fato, a exemplo do que já é praticado em pleitos para presidente da República, governadores e prefeitos.

Ou seja, cada estado vira um distrito eleitoral, daí o termo usado no aumentativo. Tal reduto eleitoral, no caso das eleições para vereador, seria o âmbito do município – em resumo, portanto, o eleitor passa a votar em um nome de sua livre escolha e em seu distrito eleitoral, de maneira que os postulantes mais votados são eleitos sem artifícios ou recálculos.

Fim do vice – Um dos pontos principais do texto elimina da vida pública brasileira a figura do vice. E não só do vice-presidente da República, hoje simbolizado no poder ora exercido por Temer desde o afastamento definitivo da petista Dilma Rousseff, em 31 de agosto de 2016 – o segundo impeachment em 25 anos. Entre os argumentos para a mudança, a tese de que a estrutura desses mandatários gera despesas vultosas sem necessidade e já foi abolida em muitas das principais democracias mundo afora.

Segundo o texto de Vicente Cândido, o país passa a prescindir de vice-governadores e vice-prefeitos. Em caso de vacância do cargo de presidente da República, uma nova eleição será realizada 90 dias após a abertura da vaga, em qualquer hipótese. Caso tal vacância ocorra no último ano do mandato presidencial em questão, a eleição passará a ser realizada indiretamente, pelo conjunto do Congresso (594 deputados e senadores transformados em eleitores) e no prazo de até 30 dias depois de declarada a vacância. A norma vale para governadores e prefeitos.

Ao plenário – Aprovado na comissão especial, o relatório segue agora para o plenário da Câmara, onde precisa de ao menos 308 votos – em dois turnos de votação, com intervalo de cinco sessões plenárias entre eles – antes de seguir para a análise do Senado. Por se tratar de uma proposta de emenda à Constituição, o rito regimental tem que ser repetido pelos senadores, em tramitação que culmina com a promulgação do texto aprovado pelo Congresso.

 


As principais mudanças propostas por Vicente Cândido

  • Institui o Fundo de Financiamento da Democracia, que direciona 0,5% da receita corrente líquida do ano anterior. O fundo seria previsto no orçamento da União em anos eleitorais. O fundo também receberia os recursos de doações.
  • Sistema distrital misto a partir de 2022, mas apenas nas eleições para deputado federal, deputado estadual e vereador nos municípios com mais de 200 mil eleitores, em uma espécie de fusão dos sistemas proporcional e majoritário. Na escolha de deputados federais, por exemplo, serão duas votações: uma em candidatos do distrito e outra em listas fechadas pré-definidas partidos. Assim, a metade das vagas fica reservada aos nomes eleitos por maioria simples, enquanto a outra metade passa a ser preenchida pelo chamado ‘quociente eleitoral’, com postulantes reunidos na lista partidária. O sistema eleitoral de lista preordenada, no pleito de vereador, será aplicado no caso de municípios com até 200 mil votantes.
  • Mudança nas datas de posse: 7 de janeiro para presidente da República; 9 de janeiro para governadores e prefeitos; e 1º de fevereiro para deputados estaduais e vereadores. Tais alterações de calendário passam a valer, segundo o texto de Vicente Cândido, a partir de 2023.