Juventude em tempos de crise: na Espanha, desemprego em massa foi substituído por relações de trabalho precárias

 

A espanhola Alba Nicolás (27 anos) formou-se em Publicidade e Relações Públicas em 2013. Ao concluir o curso, ela se mudou para Barcelona, onde fez uma especialização e depois uma pós-graduação. Lá, começou a trabalhar como estagiária em empresa de marketing digital, com um salário de 150 euros (cerca de 556 reais) por mês, a título de “ajuda de transporte”. “Fui contratada para ser formada community manager, mas tudo o que aprendi foi por minha conta e na base da tentativa e erro. Tinha um tutor que corrigia o meu trabalho e o enviava ao cliente, mas ele nunca tinha tempo para me formar”, conta. Ela estava na empresa havia um ano e nove meses quando descobriu que não tinham pago a previdência um único mês. Quando denunciou a empresa, seus chefes foram obrigados a oferecer-lhe um contrato permanente. “Trinta e cinco horas por semana, com um salário que continuava deixando muito a desejar e aguentando os maus modos no tratamento pessoal”. Nove meses depois, foi despedida.

Alba é uma millennial, geração dos nascidos entre 1981 e 1994,  e tinha 22 anos quando seu país aprovou uma reforma trabalhista que mudou a relação de trabalho entre as empresas e os funcionários — boa parte deles jovens, como ela. E é justamente essa reforma, aprovada em 2012 na Espanha, que o governo do presidente Michel Temer usa como principal referência para sua proposta de reforma trabalhista, aprovada na terça-feira (11/7) pelo Senado brasileiro. A geração de Alba representará 35% da força de trabalho global em 2020, de acordo com o Manpower Group.

O conceito de millennial tornou-se uma marca global. Deles se disse que são a geração mais preparada da história; que estão permanentemente conectados porque cresceram com a Internet e as novas tecnologias; que o dinheiro não é sua prioridade; que o que buscam são experiências motivadoras com as quais possam crescer; que preferem trabalhar em empresas comprometidas com o meio ambiente e a sociedade; que não querem ouvir e nem falar de um horário das 9h às 18h, mas de modelos flexíveis e por resultados; que são empreendedores; que entendem como ninguém a nova economia, porque a vivem em primeira pessoa como consumidores de Uber, Airbnb ou Wallapop…

Com tais credenciais, o normal seria que as empresas brigassem por esse talento emergente. De fato, esse é o discurso que muitas delas fazem com insistência. Numa pesquisa feita em 2015 pela Deloitte sobre a Geração do Milênio, Barry Salzberg, seu CEO, exortou a comunidade empresarial dos mercados desenvolvidos a “identificar as mudanças que necessitam fazer para atrair e se comprometer com essa geração”. E advertiu: “Caso contrário, corre-se o risco de perdê-los e ficar para trás”. No entanto, as taxas de desemprego que assolam os jovens na Espanha, de aproximadamente 40% (e de cerca de 27% no Brasil), indicam que, pelo visto, não há tanta pressa para seduzi-los. E isso tem outras consequências sociais: a idade média de emancipação é 29 anos (quase dez anos a mais que os suecos), sua situação pessoal não tem nada a ver com a de seus pais quando estes tinham a mesma idade e a idade média em que as espanholas são mães passou de 28,2 anos em 1980 para 32,2 em 2014.

Juan María González-Anleo, professor de Sociologia da ESIC Business & Marketing School e autor do livro Generación Selfie, lembra que millennial é um conceito importado dos Estados Unidos. “Talvez nos países anglo-saxões ou na Alemanha se aposte mais decisivamente nesse talento, mas na Espanha as empresas não estão muito empenhadas”, lamenta. Ana Sarmiento, especialista em estratégias de trabalho para a geração do milênio está de acordo. “Muito poucas empresas sabem o que fazer com esses jovens. E o mais triste é que muito poucas estão interessadas em saber”. No máximo, continua, começam a se interessar agora por sua faceta de consumidores para tentar fidelizá-los. “Mas os millennials não só consomem; também são uma nova geração de profissionais livres, abertos e digitais. E poucas organizações tiveram a ideia de tentar fidelizá-los também como empregados”.

Antes de se tornar empreendedor, o espanhol Luis Alberto Santos (27 anos) ouviu muitas histórias nas entrevistas de emprego que a realidade logo desmentiu. “Horários flexíveis que na prática eram horários fixos, lugares em que é mal visto sair no horário, normas de segurança que só são cumpridas caso haja uma auditoria ou uma visita importante”, enumera. A lista dos horrores também se estende à gestão de talentos. “Muitas empresas enchem a boca com a promoção ou a carreira profissional. Mas nunca me perguntaram o que eu mais gosto, quais tarefas eu executo melhor ou como poderia desenvolver meu talento”.

O discurso das empresas, no entanto, geralmente é outro. São frequentes as proclamações lembrando que muito em breve essa geração estará no comando: os millennials são chamados para acabar com os estilos autoritários de liderança, para impulsionar um novo modelo de trabalho colaborativo e digital… Mas por enquanto a “chamada” que parece chegar a eles com mais nitidez é a de ir tentar a sorte no exterior. Conforme dados do Instituto Nacional de Estatística, no primeiro semestre de 2016 emigraram da Espanha 47.784 pessoas. Boa parte dessa diáspora é de millennials. “É muito triste que as conversas que escuto dos meus alunos quando saio para fumar nos intervalos tratem sobre se o Chile é um bom lugar para trabalhar ou se as condições no Reino Unido pioraram muito para os espanhóis por causa do Brexit ”, comenta o professor González-Anleo.

Geração de desencantados – Os especialistas falam dos millennials como uma geração desencantada.. “Eles se sentem enganados. Prometemos a eles que se estudassem uma profissão, fizessem uma especialização e aprendessem línguas estrangeiras teriam uma vantagem competitiva em relação ao trabalho. E agora temos jovens profissionais muito capacitados, com pouco emprego e baixa remuneração”, afirma Sarmiento.

Quando aprovada em 2012, durante a segunda recessão de uma longa crise que o país tenta superar há mais de 10 anos, a reforma trabalhista espanhola prometia mais empregos – o que, da fato, ocorreu. Entretanto, passados cinco anos, várias pesquisas mostram que, embora haja mais vagas disponíveis no mercado de trabalho formal que na época da aprovação da mudança na legislação, elas correspondem a empregos mais precários.

Para o professor González-Anleo, foram rompidos os pactos fundamentais que regiam as relações entre trabalhadores e empresas. E assim é difícil esperar compromisso ou fidelidade: “Uma empresa pode exigir que você deixe sua alma no trabalho se você recebe 2.000 euros por mês. Mas recebendo 700 ou menos e sabendo, além disso, que no mês seguinte você pode estar na rua, pouco te podem pedir”.

Luis Alberto Santos aponta que as gerações anteriores são o principal obstáculo. “Se a empresa é dirigida por baby boomers, a mentalidade e os hábitos do millennial desaparecem, provocando uma grande insatisfação e um sentimento de frustração”, diz. É recíproco. Arrogantes, volúveis, egocêntricos, preguiçosos… são alguns dos rótulos com os quais os mais velhos identificam, por sua vez, essa geração. Uma imagem que Alba Nicolás não compartilha: “Pelo menos no meu ambiente, todos os meus amigos trabalharam e estudaram simultaneamente em algum momento de suas vidas. Nos preocupamos com o nosso futuro, com trabalhar duro e continuar a nossa formação”.

Ana Sarmiento não acredita que levantar a questão em termos de guerra geracional ajude qualquer uma das partes. “Os ambientes de trabalho estão se polarizando excessivamente. Os mais velhos estigmatizam os millennials, e os jovens fazem o mesmo com a velha guarda. Acredito que seria mais inteligente construir pontes que permitissem que essa geração se ajustasse a um sistema produtivo que não foi criado para ela, mas pelo qual será responsável muito em breve”. Alba Nicolás, por sua vez, pede maior compromisso e ação também dos próprios millennials. “Temos de nos mexer mais, lutar por nossos direitos e reivindicar o que é justo para poder realizar o nosso trabalho em condições aceitáveis”.