Quando escrevi e publiquei, em 2020, HQ: a arte que está no gibi, esqueci, lamentavelmente, de incluir um dos personagens favoritos da minha infância – o Pituca, criação genial de Joselito Mattos. Deles, claro, só se lembrarão os leitores de Vida infantil, Vida juvenil e Sesinho, das décadas de 40-60.
Agora, a Editora Noir, sob o comando editorial de Gonçalo Júnior, recupera a história de Joselito e Pituca, em um trabalho minucioso de pesquisa do jornalista Marcos Massolini, Joselito Mattos solta seus bichos. Ali estão, por inteiro, Joselito, Pituca e outras criações do talentoso artista baiano, como Lourolino e Remendado, o sapo Salomão, o galo Budika, o besouro Junga, o porquinho Birunga e Champanhota, um gato boa vida, com ares aristocráticos, mas que não passava de um pobretão.
Simpático e carismático, o macaco Pituca trajava boina, macacão, luvas e botinas, e se destacava pela malandragem, com uma característica especial: no final, sempre levava a pior. Seu nome, segundo o autor, veio da gíria argentina que significa “grã-fino”.
Massolini conta que o nome de Joselito chamou a sua atenção e passou a constar de seu caderno de anotações históricas desde o dia em que conseguiu em um sebo duas encadernações da revista Sesinho de 1953. Ficou maravilhado com os desenhos ágeis, chamativos e detalhistas, e passou a se perguntar como um artista de tal qualidade pôde ficar de fora ou ser citado de forma tão rasa em livros estudos? Lamentou também que Joselito sequer tenha verbete na Wikipédia ou nas enciclopédias especializadas em artes gráficas.
Visto a carapuça e, pela minha parte, peço desculpas. Massolini tem razão. Nada justifica o esquecimento do talentoso Joselito, que, além de desenhista de quadrinhos, ilustrou livros, capas de discos, cenários de peças de teatro e estilista de moda feminina. Foi um dos grandes do seu tempo, comparável a J. Carlos, Alceu Penna, Ziraldo e outros mestres do pincel e da pena.
Vale acrescentar que o sucesso dos personagens de Joselito levou a indústria a criar brinquedos, como Cine Projetor Barlam Infantil. Era um projetor de baquelite, com manivela para rodar historinhas contidas em rolinhos de papel, defronte a uma lâmpada, que projetava os desenhos na parede ou em uma superfície clara e lisa. O girar da manivela fazia os personagens moverem-se na “tela”. Pituca era atração principal. Tive o meu projetor Barlam e dele tenho ainda saudade. Custava, na época, Cr$ 295,00. Cada “filme”, Cr$ 6,00.
Depois dos quadrinhos, Joselito Mattos enveredou pelo teatro de revista, contratado pelo empresário Walter Pinto, para o qual passou a criar cartazes de espetáculos e desenhar cenários e os figurinos para as coristas. Certo dia, surpreendeu a todos, entrando em cena e fazendo uma imitação de Carmen Miranda, sua diva.
Da companhia de Walter Pinto, Joselito passou para o Teatro Follies, tornando-se também decorador de ambientes, sem se afastar dos figurinos e dos cenários teatrais, frequentando, rotineiramente, a lista dos melhores do ano. Intensificou também a sua atividade de capista de discos e fotógrafo.
Um resumo da personalidade de Joselito foi feito por Terezinha Rubia, filha da vedete Mara Rúbia, frequentadora do Posto 4 em Copacabana: “Ele era suave, delicado, conversava com todo mundo. Não havia quem não gostasse dele”. Era “uma pessoa que tornava agradável, leve, satírico, com seu bom humor, qualquer lugar”.
Joselito de Oliveira Mattos faleceu em 14 de junho de 1989, aos 65 anos de idade, vitimado por um infarto do miocárdio, no momento em que se submetia a uma cirurgia no coração, no Hospital São Camilo – Unidade Santana, na capital paulista. Foi enterrado no Cemitério Jardim da Saudade, bairro Sulacap, próximo a Jacarepaguá, no Rio de Janeiro.
Faço, por fim, um destaque especial à revista Sesinho que, com O tico-tico, foram as minhas primeiras companheiras quadrinizadas. Editada pelo Sesi (Serviço Social da Indústria) entre 1947 e 1960, Sesinho foi fundada pelo Vovô Felício, pseudônimo do mineiro Vicente Guimarães, jornalista, escritor e educador, tio de Guimarães Rosa. Já fizera muito pela literatura infanto-juvenil, a partir da revista Caretinha, em Belo Horizonte, e, em seguida com a publicação Era uma vez, também na capital mineira. Com ele, levou suas ideias e seus personagens, como João Bolinha. Impressa no Rio de Janeiro, Sesinho chegou às bancas em dezembro de 1947, com o slogan “A revista da criança inteligente”. Como todo projeto de Vicente Guimarães, era didático e dedicado ao Brasil. Grandes nomes do desenho e dos quadrinhos passaram pelas páginas de Sesinho, entre os quais Ziraldo, Edmundo Rodrigues, Gil Brandão, Fortuna, Ivan Wasth Rodrigues e, claro, Joselito.
Célio Heitor Guimarães é jornalista e consultor jurídico aposentado.