Àqueles jovens que iniciam – ou pensam em iniciar – carreira em pesquisa na área do Direito no Brasil tenho essencialmente duas notícias: uma boa e uma ruim.

Sempre melhor começar pela ruim. Uma carreira profissional de pesquisa científica no Direito praticamente não existe. O que existiu até hoje no país é a opção de uma carreira amadora de pesquisa no Direito. A explicação mais simples é a falta de incentivo financeiro. A remuneração de um professor de Direito em uma universidade federal é cerca de um terço daquela de um juiz federal ou de um procurador da República, apesar de o tempo de formação para o cargo ser o dobro.

Docência e pesquisa no direito acabam sendo, portanto, uma segunda ou terceira atividade. Um hobby que às vezes não cobre o custo da gasolina e estacionamento do professor. Segundo o Observatório do Ensino do Direito, apenas 6% dos contratos de trabalho para ensino de Direito no Brasil são de tempo integral e com exclusividade. É realmente difícil exercer a docência de forma séria nessas condições – e a pesquisa com rigor e método é impossível, com raríssimas exceções.

Mas a discrepância salarial conta apenas metade da história. Em outras áreas, como física e matemática, o salário de professores de ensino superior não levou a esse resultado. Décadas atrás, as carreiras práticas como a advocacia, magistratura e Ministério Público eram a porta de entrada e o requisito moral para tornar-se professor. Não havia exigência de mestrado ou doutorado. Quando as faculdades de Direito brasileiras começaram a ser mais do que apenas salas de aula, efetivamente criando projetos de pesquisa e programas de mestrado e doutorado acadêmico, essas carreiras práticas continuaram sendo uma via de acesso e uma condição de legitimação.

Ambos os fenômenos estão relacionados, é claro. Se na década de 50 a remuneração do magistério jurídico permitisse uma vida confortável e viesse junto com exigência de dedicação real à academia, hoje teríamos um panorama muito diferente.

Mas o fator determinante parece ser realmente a confusão de papéis e capacidades. No Direito brasileiro, a longa escassez de pessoas cujo real ganha-pão é a universidade acabou influenciando o modelo do que é ser professor e ser pesquisador. Presume-se que as competências desenvolvidas para atuar numa carreira prática habilitam o profissional a atuar também em uma carreira acadêmica. Se sabe fazer sustentação oral então sabe dar aula. Se já escreveu muitas sentenças então é capaz de desenvolver um artigo acadêmico.

Essa confusão se manifesta na produção intelectual. O exercício do magistério e pesquisa como atividade secundária ou hobby durante tantas décadas trouxe consigo um paradigma de ciência no Direito que consiste em manuais de exposição e comentário raso de textos legais. Não há um problema de pesquisa, não há uma pergunta relevante formulada, não existem hipóteses. Acima de tudo, não há o esforço para responder perguntas novas. Há apenas repetição de opinião ou defesa de uma tese tal qual em uma petição. Mais recentemente o número de dissertações e teses aumentou, ao mesmo tempo em que surgiram revistas acadêmicas procurando artigos resultantes de pesquisa inovadora. Mesmo assim, os textos continuam sendo em sua vasta maioria meros ensaios. A pesquisa que se pretende teórica, mas é mal feita é talvez o maior problema. Já a pesquisa empírica é quase inexistente.

A má-notícia, portanto, é que o campo de atuação continua sendo, sob o ponto de vista das condições de trabalho, do perfil dos colegas e da produção intelectual, salvo algumas felizes exceções, essencialmente amador.

A boa notícia é que há, portanto, tudo a fazer. Historicamente esse é o ponto de virada da docência e, especialmente, da pesquisa em Direito no país. A jovem pesquisadora e o jovem pesquisador do Direito têm o privilégio de estar começando a carreira em um tempo de rupturas e desafios decisivos. Não há nada mais estimulante do que isso!

A pesquisa precisa ser planejada e executada em sintonia com a realidade social. Essa sintonia pode significar uma relação mais ou menos direta, visando efeitos a curto ou longo prazo. De qualquer forma, os acadêmicos, inclusive no Direito, não podem encastelar-se e olhar apenas para o próprio umbigo. Infelizmente, os tempos de amadorismo consolidaram uma maneira errada de “conexão com a realidade”: a experiência prática dos autores. Um promotor de justiça, por exemplo, produz um artigo sobre dogmática do tipo penal de roubo resultante da revisão de alguns livros e decisões judiciais escolhidas arbitrariamente para sustentar seu argumento. Tradicionalmente esse tipo de produção é vista como estando atenta à realidade essencialmente porque o autor trabalhou muitos anos com processos sobre roubo.

Os jovens pesquisadores têm a oportunidade e a missão de quebrar esse ciclo. Há duas formas, a depender do tipo de pesquisa que desejam empreender. A ponte que devem usar para permitir que a academia descreva o que ocorre no mundo real é o método científico empírico e não a experiência pessoal. Já se o objetivo é formular abstratamente explicações para o que ocorre no mundo real essa ponte é o método científico teórico e não a opinião. Um bom pesquisador pode especializar-se em métodos teóricos ou empíricos, mas não deve ignorar os aspectos básicos de qualquer um dos dois. Atualmente ainda é considerado aceitável um professor pesquisador no Direito que faz pesquisa teórica e não sabe a função de uma etnografia ou não consegue explicar a diferença entre média e mediana. Também há muitos adeptos da pesquisa empírica que ignoram o papel da teoria. Esse tipo de atitude não apenas inviabiliza pesquisas com múltiplos métodos como também dificulta o diálogo entre os pesquisadores e as áreas. Isso vai mudar no médio prazo.

Recentemente, quando o Supremo Tribunal Federal alterou o entendimento sobre execução da pena a partir da condenação em segunda instância, muitos profissionais estimaram, com base em décadas de experiência pessoal em advocacia criminal e defensoria pública, que o novo entendimento traria o caos do sistema prisional brasileiro. Utilizando método empírico quantitativo e zero experiência de atuação nessas áreas, a equipe do Supremo em Números mostrou que o impacto nas prisões brasileiras seria de 2,1%.

Ao mesmo tempo, a pesquisa empírica que produz novos achados tem uma desvantagem para seus autores. Ela pode incomodar aqueles que não são beneficiados pelos resultados. A produção manualesca e de ensaios acaba sempre sendo reduzida a argumentos e opiniões. Quando alguém não gosta de um argumento ou uma opinião, pode simplesmente devolver outro. O custo de veicular opinião é zero. O custo de formular um argumento teórico sólido é maior. Já para rebater resultados produzidos com método científico é preciso conhecer esse método e provar que os achados estão errados ou fazer novos estudos. Isso é ainda mais difícil. Os jovens pesquisadores precisam aceitar o fato de que seus estudos por vezes serão recebidos com ataques gratuitos.

A reação negativa ou positiva só existe quando a pesquisa tem relevância e não é ignorada. O impacto real de um estudo é o objetivo principal e também o retorno mais gratificante que a jovem pesquisadora e o jovem pesquisador devem buscar. Esse impacto pode ser, por exemplo, a reformulação de uma teoria que leva à revisão de uma política pública – ainda que a médio prazo. Ou a mudança de um entendimento jurisprudencial consolidado a partir de um novo dado sobre a realidade prática da aplicação desse entendimento. Pode ser inclusive a alteração de uma lei. Profissionais de outras carreiras lidam com o efeito diário de seu trabalho e suas decisões, mas naturalmente também buscam esse impacto maior, que fuja do escopo do caso individual e alcance efeito regional ou nacional.

Mais do que jovens com o mesmo tempo de atuação em outras carreiras jurídicas, no entanto, os pesquisadores do Direito têm instrumentos para produzir efeitos positivos sistemáticos na sociedade com maior rapidez. Após anos de gestão e tramitação no Congresso, quando o novo Código de Processo Civil aguardava a sanção presidencial, o Supremo em Números fez um singelo levantamento sobre o efeito de um inciso que garantiria 15 minutos de sustentação oral às partes em qualquer agravo. No Supremo, essa regra exigiria 2.350 horas de sessão de julgamento por ano, enquanto que plenário e turmas somados realizam 672. Um único inciso inviabilizaria o funcionamento da mais alta corte do país. Informamos o resultado do estudo à Folha de São Paulo, que publicou um editorial em um sábado. Na terça seguinte a então presidente Dilma Rousseff sancionou o novo CPC vetando, entre outras disposições, esse inciso.

É preciso que fique claro que o pesquisador do Direito é aquele que emprega rigor acadêmico e método para realizar pesquisa teórica ou empírica. Ambas são necessárias e complementares. Ocorre que a pesquisa empírica é muito sub-representada e de execução mais custosa. Isso faz dela hoje um campo mais promissor, com muito mais espaço para ocupar e coisas novas a fazer. Felizmente há uma rede de subsídio, organização e apoio da pesquisa empírica no Direito cada vez mais ampla e eficiente. Um exemplo importante é a Rede de Pesquisa Empírica em Direito. Alguns programas de pós-graduação, como o mestrado em direito da Unilasalle, estipulam em seu regimento a obrigação de pesquisa empírica nas dissertações.

Em termos de viabilidade financeira, a remuneração pessoal é apenas o princípio. Os jovens pesquisadores precisam estar atentos para a necessidade que a pesquisa empírica geralmente traz de investimento em equipes, laboratórios, materiais de trabalho, viagens e hardware, por exemplo. A captação de recursos internos e externos, públicos e privados, nacionais e estrangeiros é uma tarefa central na atividade do pesquisador.

Inovações viabilizadas pela tecnologia da informação tornam os tempos atuais ainda mais estimulantes para a pesquisa no Direito. Os jovens pesquisadores, especialmente trabalhando com métodos quantitativos, podem explorar novos rumos da atuação acadêmica que envolvem o desenvolvimento de ferramentas para a pesquisa de terceiros. O baixo custo da inovação em TI permite a criação de modalidades originais de obtenção, armazenamento, organização de e interação com os dados. O cientista de dados jurídicos é um profissional cobiçado e com espaço de atuação não apenas em universidades, mas também em empresas como Jusbrasil, RavelLaw e Netlex.

A jovem pesquisadora e o jovem pesquisador do Direito encontram um mercado de trabalho em plena transformação e já muito diferente daquele que recebia jovens professores há vinte anos. O principal desafio ainda é profissionalizar a carreira, mas as atuais oportunidades e possibilidades da atuação em pesquisa no Direito tornam a escolha estimulante e promissora.

 


Ivar A. Hartmann é professor e pesquisador da FGV-Direito (Rio) e coordenador do projeto Supremo em Números