Tenho sonhado bastante, ou me recordado, talvez com frequência maior do que antes, dos sonhos que povoam minha cabeça. São temas repetidos, em que dois extremos se alternam numa aparência de confronto: de um lado, a sensação de fuga, a tentativa de afastar um peso que insiste em me perseguir; de outro, a recuperação de mim mesmo, do que fui e do que sou. Não creio que haja nada de surpreendente nisso, mas apenas a proliferação, agora com mais intensidade, de imagens que não chegam a ser estranhas.

É comum, nesses sonhos, encontrar-me em situações inusitadas, postas além do meu controle e da minha capacidade de reação. Às vezes estou dentro de aviões que seguem rumos desconhecidos e perigosos, que percorrem, antes da decolagem, estradas e ruas que parecem não ter fim. Ou que pousam repentinamente, oferecendo o alívio e a segurança desejados nos momentos de tensão. Outras vezes me vejo perdido em mares e rios, mergulhado em ambiente hostil, embora eu siga mansamente o percurso que me é dado, não sem uma dose de angústia, esquecido de que não sei nadar.

Mais recentemente, tive um sonho de desabafo. Surpreendi-me esmagado por uma multidão, enquanto libertava palavras duras sobre o que sinto, o que desejo e o que não desejo. Gritei, aliviando uma enorme quantidade de sentimentos adormecidos. Transbordado o pote da amargura, fiquei parado no centro de num espaço gigantesco e vazio, que não conheço, observando os raios finos de luz que caíam sobre mim. Não sabia o que fazer. E não fiz nada.

Em seguida, uma confusão. Eram muitas pessoas, amigos da infância e da juventude, e cenas banais: consertar um objeto, encontrar um endereço, caminhar pela cidade. Fazíamos tudo isso juntos, mas eu tinha comigo um brinquedo antigo, e queria deixá-lo para avaliação de um restaurador. Só que todos os movimentos do grupo me levavam para destinos contrários à minha vontade. Fiquei com o brinquedo em meus braços, em silêncio.

Tem sido assim. No conflito entre o sonho e o real, estou sempre parado, coadjuvante de histórias que a minha passividade ajuda a conceber, acompanhada das dúvidas de sempre, do não-agir.

 

Mário Montanha Teixeira Filho é consultor jurídico aposentado.