Um trabalho sobre a obra do escritor Franz Kafka é um dos destaques da Revista da Aconjur nº 5, cuja versão online foi lançada no final de 2023. O texto, de autoria da consultora jurídica Silvane Maria Marchesini, reproduz palestra ministrada durante a III Jornada do Núcleo de Direito e Pscicanálise: uma leitura a partir do processo de Kafka, em junho de 2006 (confira, abaixo, um trecho da exposição).

 


O processo de Kafka: o ‘outro processo pulsional’ das normas e da moral

Silvane Maria Marchesini

 

Kafka, em seu caráter enigmático e opiniático, vigia silenciosamente as areias da legitimidade do poder, numa busca incessante e inatingida, de um ethos universal racional, ético ou religioso, que viesse recobrir o vazio do locus de exceção e amalgamá-lo, definindo a alteridade endo-exógena identitária, no âmbito privado e público, sem o risco do “assassínio de sua própria alma”. Numa mistura extremamente complexa de sentimentos e de ideias, em que domina a nostalgia de um ser, conforme as forças da vida e formando aí uma frágil autonomia e questionável unidade com seu solo, sua língua, sua lei, Kafka, em verdadeiro artigo de fé que lhe corta o mundo judeu em dois, depara-se constantemente com obstáculos racionais intransponíveis na busca da própria identidade. A divisão da cultura iídiche, o território indefinido para os expatriados judeus do Oeste, o distanciamento da língua hebraica de outrora, a incoerência da lei, nas suas nuances paternal, patriarcal e estatal, desencadearam em Kafka a culpabilidade e a persecução, impossibilitando-o de construir um núcleo paradoxal identitário sólido, cuja busca incessante faz sintoma em seu trabalho literário, recalcando a palavra “judeu”.

 

Silvane Maria Marchesini é advogada diplomada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), psicóloga e mestre em Psicanálise, psicanalista clínica e docteure ès Psychologie (2012) pela Université Nice Sophia Antipolis.

 


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