As empresas têm o dever de verificar a veracidade dos fatos alegados e de esclarecer o público que as acusações são sabidamente falsas. E os outros? Três acusações com erros crassos do Ministério Público em Portugal fizeram o primeiro-ministro António Costa pedir demissão; num deles, houve uma confusão com o homônimo António Costa Silva, ministro da economia, na captação de conversas telefônicas.
Houve deficiência de argumentação e erros crassos nas acusações.
Até este momento, o primeiro-ministro demissionário é informado dos atos do processo penal apenas pelas notícias da imprensa. Onde estão o direito ao contraditório e a ampla defesa? Nesse caso, quem será responsabilizado?
No Brasil, e as notícias que inflamaram a opinião pública em desfavor de dois presidentes derrubados por impeachment, e depois inocentados pelo Supremo Tribunal Federal? E as operações judiciais e midiáticas que acusam, prendem e, posteriormente, são anuladas? Lembremos da Lava Jato, assim como tantas outras que são anuladas, por descumprimento de atos fundamentais à validade processual.
Voltemos à decisão do STF. O caso concreto diz respeito a uma entrevista publicada pelo Diário de Pernambuco, em maio de 1995. O entrevistado afirmava que o ex-deputado Ricardo Zaratini teria sido o responsável por um atentado a bomba, em 1966, no Aeroporto dos Guararapes (PE), que resultou em 14 feridos e na morte de duas pessoas.
O recurso ao STF foi apresentado pelo jornal contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que confirmou a condenação ao pagamento de indenização, considerando que, como já se sabia, na época, que a informação era falsa. Segundo a empresa em sua defesa, a decisão teria violado a liberdade de imprensa, tese que não colou.
Quer dizer, a liberdade de imprensa não acoberta falsidades e invenções.
Contudo, a todo momento são disparadas enxurradas de mentiras nas redes sociais, que não são empresas jornalísticas e estão totalmente imunes desta decisão do STF.
No julgamento, operou-se uma ficção jurídica interessante: dois ministros aposentados (ministros Marco Aurélio e Rosa Weber), que votaram anteriormente, foram considerados num julgamento do qual não participaram nos debates finais e, em tese, se não estivessem aposentados poderiam alterar suas opiniões. Coisas da Corte.
A ementa da decisão decidiu que a plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia, porém admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização, inclusive com remoção de conteúdo, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas.
Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: i) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e ii) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios.
Se no decorrer da entrevista for lançada uma informação falsa? O jornalismo deverá esclarecer imediatamente o falsete e corrigi-lo? Cremos que sim.
Como no Brasil a memória histórica é curtíssima e os processos, se bem manejados, arrastam-se por dezenas de anos, poucos irão ajuizar ações para buscar essa responsabilização.
Vejamos os exemplos recentes da destruição de reputações com impactos eleitorais e pessoais que, muito tempo depois, foram desmentidos.
Em resumo, a roupa suja demora para ser lavada, passada e engomada.
Sem mecanismos processuais céleres, os prejuízos são indeléveis.
Cláudio Henrique de Castro é advogado e professor de Direito.